O Futuro seguro
Chegamos a um paradoxo: o de planejar o futuro estando em um presente ameaçado gravemente por uma doença, a Covid-19, causada pelo novo coronavírus. O ânimo vem de promissoras vacinas que estão a caminho e dos indícios de que a vida vai, aos poucos, voltando a se movimentar mundo afora. Mas, que futuro é esse? Não é possível afirmar muita coisa porque a sociedade ainda está passando por um grande trauma, e as pessoas devem sair diferentes do “outro lado”. Porém, pelo menos um legado destes tempos difíceis parece claro: a busca por segurança. Neste contexto, o crescimento do mercado de seguros, quando tudo parece ruir em volta, tem ligação direta com a experiência covideana. Ninguém quer ser surpreendido, novamente, por algo que vire a vida de cabeça para baixo, quebre a empresa de uma hora para outra, leve à morte tantas pessoas queridas.
Em junho se comparado ao mês de maio, os seguros alcançaram índices robustos de expansão: quase 33%, potencializado pelo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), e 18,3%, sem essa alavanca. A demanda é ampla. Estudos apontam para um maior grau de exigência das pessoas em relação à sustentabilidade, às questões sanitárias e ao investimento científico. Tudo isso está relacionado ao seguro. Aprendemos, a duras penas, que a negligência com saneamento, água, floresta, lixo, pode custar muito caro, ceifar vidas. Como a tendência é de que catástrofes ambientais se repitam, a prevenção é prioridade. O desafio é falar de segurança em um cenário pós-pandêmico coalhado de desemprego e baixa renda.
No caso do Brasil, uma rápida olhada para trás, entretanto, evidencia que o novo coronavírus não inventou a crise, apenas agravou o quadro recessivo em andamento. O que a doença alterou, de fato, foi o conceito de risco. Hoje, ninguém quer ouvir o alerta popular sobre a impossibilidade de um raio cair duas vezes sobre a mesma cabeça, porque ficou provado que, sim, ele cai até mais vezes, uma vez que famílias ou patrimônios foram dizimados nesta tempestade.
A Covid-19 provocou o rastreamento consciente, qualificado e global, ao mesmo tempo, de cauções possíveis. Os seguros pessoais e empresariais protegem a vida e o patrimônio; as ações individuais e coletivas protegem o mundo. Essa conta só fecha com a participação dos governos na promoção do desenvolvimento e da igualdade social. Até 2018, por exemplo, 67% da população brasileira ganhavam menos do que dois salários mínimos por mês. A ideia da prevenção está diretamente relacionada à do desenvolvimento. O país precisa crescer para que mais gente tenha acesso a padrões mínimos de renda, alimentação, higiene, saúde e, na esteira, à proteção. A pandemia deu visibilidade a esses problemas seculares e que têm que ser resolvidos.
Alternativas estão sendo criadas, adaptadas ou flexibilizadas. Por exemplo, a cobertura intermitente, que pode ser bem-sucedida em apólices de automóveis, celulares e bicicletas, para citar alguns, tem perfil adequado para épocas de orçamentos menores. Mas é interessante notar que a pandemia recuperou a importância do seguro anual de automóveis. O carro se transformou em uma “cápsula móvel” de proteção. Em relação à residência, o isolamento social sacramentou uma mudança de comportamento que veio para ficar: o home office. Muitas moradias passarão a ser, em definitivo, ambiente de trabalho, e essa fusão pode significar economia. De seu lado, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) tem demonstrado estar comprometida a analisar as diferentes modalidades em esforço conjunto.
Mais do que nunca, o sentimento de fragilidade encontra conforto no “seguro emocional” – a fundamental sensação de acolhimento. O diálogo no pós-pandemia terá um foco central: estamos retomando as atividades, houve perdas nos negócios e como viabilizar a proteção à vida, à residência, à saúde, à empresa etc.? O seguro é parte preponderante do desenvolvimento civilizatório e o Brasil, enfim, absorve essa cultura. Esse é o futuro.
*Marcio Serôa de Araujo Coriolano é economista e Presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg)
Fonte: Cnseg