top of page

Cumprimento dos contratos diante da pandemia de covid-19


Estamos vivendo uma situação ímpar devido à pandemia de Covid-19, que, inevitavelmente, atinge todos os setores da sociedade e, consequentemente, afeta diversos tipos de negócios jurídicos. Diante deste quadro muitos questionamentos e dúvidas surgem sobre o cumprimento das obrigações contratuais.


Sendo assim, é importante conhecer possibilidades jurídicas de cumprimento ou resolução dos contratos em situações de caso fortuito ou de força maior, como a que vivenciamos atualmente.


Contratos regidos pelo Código Civil

Nos contratos regidos pelo Código Civil, a depender da situação, pode o devedor não responder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não houver se responsabilizado por eles (art. 393 C.C).


Em alguns casos, poder-se aplicar a chamada Teoria da Imprevisão (art. 317 do C.C), que possibilita a revisão forçada do contrato em decorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários que modifiquem a situação do fato, existente no momento da contratação, ocasionando desequilíbrio e desvantagem a uma das partes.


Caso o desequilíbrio contratual resulte ainda onerosidade excessiva a uma das partes e vantagem excessiva a outra, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.


Se a obrigação for de fazer e a prestação tornar-se impossível sem a culpa do devedor, a obrigação se extingue (art. 248 C.C). Um profissional personal trainer, por exemplo, contratado para um número determinado de aulas, mas que acabe sendo contaminado pelo vírus, a sua obrigação se extingue e, por óbvio, também não fará jus à remuneração.


Por fim, existe também a possibilidade de redução equitativa de penalidade contratual, tendo em vista a situação de caso fortuito ou força maior. (art. 413 C.C).


Contudo, importante frisar que as partes devem primar pela conservação do negócio jurídico e buscar uma solução amigável e equilibrada a fim de evitar a judicialização.


Contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor

Já nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, há previsão expressa de que as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais podem ser modificadas em razão de fatos supervenientes, que as tornem excessivamente onerosas.


Nos casos de fornecimento de produtos ou serviços, poderá o consumidor escolher a solução que melhor lhe atenda: cumprimento da obrigação; aceitação de outro produto ou serviço; ou rescisão contratual com restituição do valor atualizado e perdas e danos.


Os produtos e serviços colocados à disposição dos consumidores não podem acarretar riscos à saúde ou segurança, devendo o fornecedor, inclusive, proceder a higienização correta dos equipamentos e utensílios e informar o consumidor de maneira adequada (art. 8º CDC).


Por fim, o artigo 39 do CDC apresenta vedações a uma série de práticas abusivas que, independentemente da situação de pandemia, devem ser observadas pelos fornecedores de produtos e serviços.


Contratos trabalhistas

Nos contratos trabalhistas, caso a empresa sofra dano irreparável em sua atividade em decorrência de ato do Poder Público, que impediu ou suspendeu sua atividade, poderá invocar a teoria do “fato do príncipe”, ou seja, que o pagamento das respectivas indenizações fique a cargo do Poder Público (art. 486 da CLT).


Por outro lado, nos casos não motivados por ato do Poder Público, mas sim em decorrência de força maior (pandemia) que ocasione a extinção da empresa, será assegurado ao empregado indenização no importe de 50% equivalente à demissão sem justa causa (art. 502 da CLT).


Já nos casos em que a empresa sofra, comprovadamente, prejuízos em decorrência de força maior, poderá reduzir a jornada de trabalho e os salários dos empregados em até 25%, respeitados o limite do salário mínimo da região. As empresas poderão ainda conceder férias coletivas e adotar regime de home office para minimizar os prejuízos e preservar a saúde de seus empregados.


Contratos de locação

Não existe na legislação específica previsão de revisão contratual em situações de caso fortuito ou força maior. Contudo, tal fato não descarta a possibilidade de composição amigável entre as partes ou mesmo o acionamento do Poder Judiciário para revisão de multas/encargos ou até mesmo redução de valores, com base o princípio da Teoria da Imprevisão e/ou Onerosidade Excessiva.


Neste sentido, já começam a surgir algumas decisões, conforme caso julgado pela 25ª Vara Cível do Distrito Federal, que concedeu liminar a um lojista de shopping center, suspendendo em parte o contrato de locação. Foi mantido somente o pagamento de aluguel percentual sobre o faturamento e os encargos condominiais. (Processo nº 0709038-25.2020.8.07.0001).


Assim, os contratos de locação poderão ser revisados extrajudicialmente, de comum acordo entre as partes, ou judicialmente a depender da situação específica de cada caso.


Contratos administrativos

As empresas que prestam serviços à administração pública, cuja atividade venha a ser afetada pela situação declarada de pandemia, poderão requerer alteração dos contratos a fim de restabelecer o equilíbrio econômico/financeiro, nos termos do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/93:


Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(...)

II – por acordo das partes:

(...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”


Portanto, é perfeitamente possível, dependendo do caso, a revisão contratual ou até mesmo a extinção da obrigação, em decorrência de problemas econômicos ocasionados pela situação de calamidade do covid-19.


Cirlene Silva Siqueira

Diretora da APTS e advogada no escritório Nascimento, Oliveira e Siqueira Advogados

www.nosadvogados.com.br


bottom of page