Ano inicia com muitas mudanças no âmbito regulatório e no campo da inovação, que prometem redesenhar a operação de seguros.
Se por um lado, o setor de seguros inicia o ano com grande expectativa de crescimento, por outro, tem pela frente alguns desafios. Dentre os principais, estão as mudanças no âmbito regulatório, caso, por exemplo, da desregulamentação da atividade de corretor de seguros, além do sandbox e da segmentação das seguradoras. No campo da inovação, o seguro intermitente e o Open Insurance prometem alterar o modelo de operação e comercialização de seguros. Estes assuntos foram comentados pela advogada Bárbara Bassani, sócia da área de Seguros e Resseguros de TozziniFreire Advogados. Confira a seguir.
Desregulamentação da atividade de corretor de seguros
Do que se trata: A medida Provisória 905, editada pelo governo no dia 11 de novembro, instituiu o Contrato Verde e Amarelo com o objetivo de assegurar mais empregos. Porém, no artigo 51, a MP revogou a Lei 4.594/64, que regulamenta a profissão do corretor de seguros.
O que esperar: A MP 905/2019 trata de diversos assuntos e já conta com mais de 1,9 mil emendas. Em razão disso, é muito provável que não haja tempo hábil para sua aprovação, já que, por conta do recesso, os trabalhos da Comissão que analisa a matéria estão lentos. Enquanto aguarda a definição até abril, o setor tem demonstrado conservadorismo grande em relação ao assunto. Não se tem notícia de pagamento de comissão e intermediação de seguros a quem não seja corretor habilitado pelo regime vigente antes da MP. Vale esclarecer que a profissão de corretor de seguros continua existindo, independentemente da revogação da lei. O que muda é que a atividade deixou de ser regulada. No momento, porém, ainda são muitas as incertezas no âmbito da sua autorregulação.
Coberturas intermitentes
Do que se trata: O seguro intermitente, autorizado pela Circular Susep nº 592, publicada em agosto de 2019, permite que a cobertura seja contratada por alguns dias, horas, minutos ou até durante um trecho em uma viagem. É o conhecido seguro “liga-desliga”.
O que esperar: Haverá mudanças na subscrição do risco, que deverá ser diferenciada já que a cobertura é intermitente. Como consequência, o prêmio e as comissões também sofrerão alterações. Esse processo de mudança na subscrição levará um certo tempo, como também a aprovação e estruturação de novos produtos que tenham cobertura intermitente.
Por enquanto, o mercado ainda está em processo de adaptação. A expectativa é que os novos produtos sejam desenvolvidos em um futuro próximo, mesmo porque a demanda do segurado por esse tipo de cobertura tende a aumentar com a “cultura do compartilhamento”, inclusive.
Novas regras de investimentos para seguradoras e resseguradoras locais
Do que se trata: As seguradoras brasileiras agora podem ceder 95% do valor total dos prêmios para resseguradoras eventuais. O limite, que era de apenas 10%, foi ampliado pelo Decreto nº 10.167, editado em dezembro. A medida abriu a possibilidade de players estrangeiros revisitarem sua estratégia de atuação no mercado local e reduzirem custos regulatórios, um pleito antigo desse segmento.
O que esperar: A norma trouxe maior clareza, com a determinação de que devem ser observados, sempre que possível, aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos. Há mudanças nas regras de Fundos de Investimento em Participação (FIP) que estão aumentando o interesse em novos investimentos e propiciando maior diversidade.
Mudanças no seguro DPVAT
Do que se trata: A MP 904, publicada pelo governo no final de 2019, extinguiu o DPVAT a partir de janeiro de 2020, sob o argumento da ineficiência e fraudes. Os efeitos da MP, contudo, foram suspensos pelo STF. Os ministros alegam que a medida deve ser tratada em projeto de lei. A decisão foi tomada via plenário virtual e precisa ser ratificada pelo plenário presencial da Corte.
O que esperar: Ainda não é possível prever, considerando o imbróglio instalado nos últimos meses. A tendência é caminhar para um novo modelo, com aperfeiçoamento em relação ao que existe atualmente.
Sandbox regulatório
Do que se trata: Sandbox significa flexibilização regulatória para suportar a inovação. Trata-se de separar uma área de mercado com regras simplificadas, porém seguras, para que empreendedores possam atuar, criar produtos e serviços inovadores e disruptivos. O edital de seleção para o sandbox, previsto pela Susep para o início do ano, conforme Consulta Pública nº 11/2019, foi adiado.
O que esperar: Em um primeiro momento, o sandbox funcionará como um incentivo, mas a longo prazo trará transformações, especialmente, se as sociedades escolhidas pela Susep para participarem do experimento derem certo. A expectativa é que a norma seja publicada ainda nesse primeiro semestre.
Open Insurance
Do que se trata: Semelhante ao Open Banking, trata-se de uma tendência para o seguro, em que as empresas passam a ter acesso a produtos e serviços umas das outras. Essa integração permite oferecer aos clientes diferentes combinações de soluções desenvolvidas por fornecedores altamente especializados.
O que esperar: O Open Insurance está ligado ao conceito de que o segurado é o detentor dos seus dados. Esse conceito está alinhado com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrará em vigor em agosto. Logo, do ponto de vista da legislação federal, haverá boas bases para o desenvolvimento do Open Insurance. Porém, do ponto de vista regulatório, no âmbito Susep, ainda não há regra acerca do assunto e o compartilhamento de dados entre os principais players do setor encontra lacunas. Isso faz com que se tenha a impressão de que o movimento do Open Insurance (embora esteja no radar de 2020) ainda esteja mais distante de se tornar realidade. Cabe ao regulador incentivar o compartilhamento, considerando que um dos pilares da nova gestão da Susep é, justamente, a concorrência, de forma a melhorar a experiência do segurado.
Segmentação do mercado
Do que se trata: Para fins da regulação de solvência (prudencial), a Susep colocou em audiência pública até janeiro a minuta de Resolução CNSP que trata da segmentação das seguradoras. A proposta é classificar as empresas supervisionadas em quatro segmentos distintos (S1, S2, S3 e S4), considerando, entre outros requisitos, o volume de prêmios movimentado e as provisões técnicas.
O que esperar: A tendência é o aumento da concorrência, porque mudam as exigências regulatórias de acordo com o porte da companhia. As empresas serão divididas em quatro segmentos, de acordo com as provisões técnicas e prêmios.
Projeto de Lei de Licitações
Do que se trata: O projeto da nova Lei de Licitações (PL 1292/95) foi aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado e ainda está pendente de apreciação do Senado. Segundo a futura regra, nas chamadas obras de grande vulto, o seguro garantia deverá prever que, em caso de inadimplemento da tomadora, a seguradora deverá exercer o step-in e finalizar o projeto.
O que esperar: Se a Lei de Licitações for aprovada na versão atual, preocupa o setor a possibilidade de diminuição das seguradoras que atuam com seguro garantia ou o aumento de prêmio ou até mesmo dificuldades em obter resseguro. Nem tanto por conta do aumento de 30% do valor do contrato nas grandes obras (acima de R$ 200 milhões), mas, principalmente, pela previsão de que se a obra não for retomada, caberá à seguradora pagar a importância segurada, como se fosse aplicada uma multa de 100%, o que não faz sentido do ponto de vista técnico e atuarial. O seguro garantia precisa ser aperfeiçoado para que possa ser mais atrativo do que outras garantias em projetos de infraestrutura.
Mudança de entendimento da justiça sobre sub-rogação e prescrição
Do que se trata: A discussão sobre a extensão da sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado tem sido objeto de muitas demandas no Judiciário. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a transmissão da cláusula arbitral, por força da sub-rogação, não é totalmente incompatível com o ordenamento jurídico, embora tenha salientado que a sua análise foi feita em um procedimento absolutamente restrito.
No caso da prescrição, a discussão tem girado em torno do fato gerador para o início da sua contagem (a partir do momento do sinistro – entendimento dominante; ou, a partir da recusa administrativa da seguradora ao recebimento da indenização securitária – entendimento minoritário, que vem ganhando cada vez mais força).
O que esperar: Se prevalecer esse entendimento em relação à sub-rogação, haverá mudança no valor do prêmio ou, em alguns casos, poderá representar até mesmo a recusa de riscos, inclusive. Já com relação à prescrição, se prevalecer o entendimento minoritário, as seguradoras terão que provisionar valores por muito mais tempo do que hoje, o que, igualmente poderá impactar no valor inicial do prêmio e nos controles de prazos.