Um sopro de liberdade para o seguro
Lei de Liberdade Econômica pode beneficiar seguro ao estimular desenvolvimento de insurtechs e novos produtos, além de condicionar a edição de normas à análise de impacto regulatório.
Aguardada com expectativa pelo setor de seguros, a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), publicada em setembro pelo governo federal, promete estimular e desburocratizar a atividade econômica, reduzir a intervenção do Estado na iniciativa privada e contribuir para a inovação. Resultado da conversão da Medida Provisória nº 881, de abril de 2019, a nova lei institui a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, estabelecendo normas e princípios para assegurar a proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e trata igualmente da atuação do Estado como agente normativo e regulador, no âmbito previsto na Constituição Federal.
Embora não traga nenhuma grande novidade na lista de direitos econômicos, porque todos já estão previstos na Constituição Federal, a Lei 13.874 inova ao estimular o empreendedorismo, por meio do desenvolvimento de novos produtos e de tecnologias. Para reduzir o abuso do poder regulatório, a lei orienta a administração pública a evitar, por exemplo, “redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco”.
No capítulo sobre desburocratização, a lei prevê, ainda, o direito aos empresários de “criar e operar novas modalidades de produtos e serviços, quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente”. Para a advogada Bárbara Bassani, sócia do escritório TozziniFreire, a lei é bastante positiva nesse aspecto porque estimula a inovação, abrindo espaço para o desenvolvimento de insurtechs e também de novos produtos. Ela observa que a Susep está alinhada com os objetivos da lei, tanto que abriu, recentemente, consulta pública para normas sobre sandbox e já publicou regra que permite o seguro intermitente.
Outra inovação é a equiparação do documento digital ao físico. Conforme a lei, “qualquer documento arquivado por meio de microfilme ou meio digital, desde que realizado de forma a manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade, se equiparará a documento físico e original para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público ou privado”. Mas, Bárbara analisa que a legislação federal pode não abranger a norma infralegal, que é emitida por órgão regulador, no caso do seguro, a Susep.
Segundo Bárbara, a norma vigente é de 1999, anterior ao Código de Civil de 2002, e, portanto, estão descasadas. “Hoje, a norma define que a guarda de documentos pode ser de forma digital. Porém, é preciso ter a qualquer momento o documento físico disponível para a autarquia”, diz. A advogada destaca, ainda, como positivo a revogação de dois dispositivos do Decreto-Lei nº 73/1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, com relação ao princípio da reciprocidade em operações de seguro. Com a revogação, a autorização para o funcionamento de empresas estrangeiras no Brasil não ficará condicionada à igualdade de condições no país de origem, o que poderá propiciar a geração de novos negócios.
No entanto, Bárbara avalia que se perdeu a oportunidade de revogar outros dispositivos do DL 73/66, como, por exemplo, aquele que atribui à Susep o direito de fixar as condições contratuais da apólice. “A atuação da Susep deveria ser voltada à fiscalização e verificação de solvência, e não à redação de regras e clausulados que podem engessar produtos. Perdeu-se a oportunidade de mudar isso na nova lei”, diz a advogada.
Concorda o advogado e consultor Walter Polido. “A atuação da Susep deve ser firme e eficaz na fiscalização das provisões técnicas e das reservas de sinistros, em prol da higidez da mutualidade do sistema, ficando de fora da elaboração de clausulados”, diz. Ele observa que, atualmente, muitos clausulados de apólices concebidos sob orientação da Susep resultam em clausulados padronizados ou muito próximos disso, ainda que as seguradoras ofereçam textos diferenciados.
Outro destaque da Lei de Liberdade Econômica é a garantia de tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica. Na visão de Bárbara, isso poderá servir como base para questionar o regulador de seguros acerca de licenças concedidas de forma diferente a um ou a outro player. Ela afirma que embora a Constituição Federal já garanta o direito à igualdade e isonomia, a nova lei reforça essa condição. “É importante para que não haja privilégios em relação aos players do mercado. Não é incomum a Susep aplicar critérios diferentes para a aprovação de produtos submetidos por distintas seguradoras. As razões não são muito claras”, diz.
Impacto regulatório
Na avaliação de Walter Polido, “muitos dos dispositivos da nova lei irão afetar positivamente as operações do mercado segurador”, sobretudo no aspecto de proteção à livre iniciativa. “ Os artigos 170 e 174 da Constituição Federal já eram suficientes, mas a nova lei os ratificou, trouxe um lume renovado a essa questão, sendo que a atuação do Estado na condição de agente normativo fica sujeita a essa determinação basilar”, diz. A advogada Bárbara Bassani reconhece que a Lei de Liberdade Econômica não visa, a princípio, o mercado regulado, como o de seguros. “Mas serve de inspiração para reguladores, como a Susep”, diz.
Bárbara considera positivo na lei o atendimento a uma demanda antiga do setor, que é a Análise de Impacto Regulatório (AIR). De acordo com a lei: “As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico”.
Segundo Bárbara, significa que antes da entrada em vigor de qualquer norma, a Susep terá de avaliar os impactos e efeitos sobre o setor, o que contribuirá para aumentar a segurança jurídica. “Investidores estrangeiros, principalmente no resseguro, se queixam da constante mudança de regras, algo que é histórico na cessão de resseguros e na formalização contratual”, diz. Apesar de comemorar o avanço da lei em relação à exigência de AIR, a advogada ressalta que o impacto para o setor de seguros não será imediato, já que este e outros dispositivos dependerão de regulamentação. “Se não for regulamentado, perderá o efeito prático”, diz.
Prazos para regulamentação
De acordo com o secretário especial da Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, em no máximo três meses, serão publicadas as normas que regulamentarão a Lei da Liberdade Econômica. Em reunião na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados, em meados de outubro, ele disse que uma das principais mudanças, o fim dos alvarás e licenças para atividades de baixo risco, já foi regulamentada por resolução da secretaria, indicando 287 atividades que não precisarão dessas autorizações para funcionar. Segundo Uebel, se o município não fizer uma regulamentação diferente, valerá a resolução federal.
Fonte: Revista APTS Notícias (ed. 135/136) | Texto: Márcia Alves