A advogada Debora Schalch analisou as consequências do aumento de responsabilidade das seguradoras decorrentes da aprovação do projeto de lei que prevê mudanças no seguro garantia.
O aumento de responsabilidade das seguradoras que operam no seguro garantia será apenas uma das consequências da aprovação do Projeto de Lei 6814/2017, que tramita, atualmente, na Câmara dos Deputados. De acordo com a sócia do escritório Schalch Sociedade de Advogados, Debora Schalch, as mudanças previstas na proposta legislativa, caso aprovadas, também trarão impactos ao preço do seguro, com a elevação do valor prêmio, além de maior rigor na subscrição de riscos e na exigência de contragarantias de tomadores de obras públicas. Tudo isso porque o projeto transfere às seguradoras as obrigações de fiscalizar, auditar e concluir as obras paradas.
“Significa que a seguradora se investirá das funções de ‘dona’ da obra, como se fosse a empreiteira principal, com todas as prerrogativas e também com todos os ônus e riscos”, disse a advogada durante sua participação no evento “Novas tendências em concessões de infraestrutura”, promovido pela Câmara de Comércio Suíço-Brasileira, no dia 21 de junho, em São Paulo. Ela explicou que o projeto de lei, que nasceu e foi discutido por quatro anos no âmbito do Senado Federal, teve como justificativa os problemas que a administração pública enfrenta nas obras de infraestrutura no país, como atraso, abandono e a insuficiência do percentual de garantia para cobrir as multas aplicadas por inadimplência contratual.
Em sua origem, as alterações no seguro garantia, propostas pelo projeto de lei, foram inspiradas no modelo norte-americano, o Miller Act, que surgiu nos idos de 1894 com o propósito idêntico de resolver o problema das obras públicas paradas. Hoje, mais de cem anos depois, as segurados dos Estados Unidos trabalham com garantias que podem variar de 50% a 100% do valor do contrato. No Brasil, o PL 6814/2017 elevou o percentual de garantia do seguro para 30% do valor do contrato, no caso de obras de grande vulto, e incluiu a cláusula de retomada. Na prática significa que diante de um sinistro, a seguradora irá se sub-rogar nos direitos e obrigações do contratado, firmar contrato como interveniente-anuente com a administração pública e, então, passar a ter acesso às instalações da obra.
Debora Schalch explica que nessa condição de step-in, a seguradora fiscalizará os serviços e materiais empregados, realizará a auditoria técnica e contábil, poderá requerer esclarecimentos ao responsável técnico e, ainda, emitir a nota de empenho em seu nome e subcontratar empresas para concluir a obra. O projeto também prevê a aplicação de multa no valor integral da garantia para a seguradora que não concluir a obra. “Não me parece razoável, porque a multa deve ser proporcional ao quanto executado pela seguradora, observando-se assim princípios de proporcionalidade e razoabilidade que devem orientar as decisões da administração pública”, disse.
A obrigação de concluir a obra preocupa as seguradoras do setor diante do cenário atual de obras paradas – estimadas em mais de 5 mil por todo país. Debora Schalch elencou alguns empreendimentos que no momento estão atrasados ou paralisados. Caso da refinaria Premium, no Maranhão, um dos projetos mais caros do PAC, orçado em R$ 41 bilhões, e que foi cancelado depois do investimento de R$ 1,82 bilhão. Outra é o projeto de saneamento do Recife (PE), que recebeu R$ 1 bilhão de investimento do governo e R$ 1,5 bilhão do setor privado. Também está na lista a usina Angra 3, parada por causa de implicações da Lava-Jato, mas que já recebeu R$ 5,9 bilhões de investimentos. “O Brasil é um grande canteiro de obras paradas”, disse.
No novo modelo de seguro garantia, a contragarantia, instrumento que garante o direito de a seguradora recuperar a indenização paga ao segurado em caso de sinistro, ganhará mais importância. De acordo com a advogada, atualmente, as contragarantias são bastante frágeis. “Algumas seguradoras não tomam o cuidado de exigir garantias mais sólidas e com maior liquidez. Mas, se tiver de pagar a indenização ou empenhar valores diretamente nas obras, como irá se ressarcir?”. Por outro lado, ela observa que o aumento do nível de exigência em relação à contragarantia dificultará a participação de empresas de pequeno e médio porte nas licitações.
Outra consequência das mudanças no seguro será o maior rigor na subscrição e gestão do risco, que não se restringirá mais apenas à análise da capacidade financeira do tomador e ao acompanhamento formal do risco. Hoje, segundo Debora Schalch, algumas seguradoras se limitam, por exemplo, a acompanhar o risco por meio de relatórios de avanço físico da obra. Em sua avaliação, para operar o novo modelo do seguro, as seguradoras terão de acompanhar os riscos de forma mais sistemática, vistoriar a obra e, possivelmente, até contratar uma empresa de gestão de obra. “Acredito que para operar nesse novo modelo as seguradoras terão de se preparar operacionalmente para adotar novos parâmetros e práticas para a subscrição e gestão do risco”, disse.
O advogado e economista Raul Pinheiro Donegá, que no evento abordou o tema “Financiamento e garantias para infraestrutura”, acredita que o novo modelo de seguro garantia deverá mudar a relação entre seguradoras e bancos. “Hoje, ambos são concorrentes. Mas, logo mais, terão de trabalhar no step-in em conjunto, com o compartilhamento de garantias, algo que ainda não é regulamentado”. Segundo ele, esse compartilhamento é uma das tendências na área de infraestrutura, que também prevê o contrato tripartite entre o agente financeiro, os acionistas e o Estado. “Trata-se de inovação no setor, já que tal mecanismo busca dar maior legitimidade junto ao Estado em relação às garantias dos projetos”, explica.
Fonte: Prisma Comunicação Integrada