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Alternativas à saúde suplementar

Estudo da Tendências Consultoria propõe agenda de reformas no marco regulatório do setor.


A crise econômica está agravando o cenário da saúde suplementar no país. Além da queda no número de usuários em decorrência do aumento do desemprego (9% em 2015 e previsão de superar dois dígitos neste ano), os custos das operadoras de planos de saúde estão crescendo muito acima da inflação (alta de 17,1%, em 2015).


Nesse cenário conturbado, a mudança no marco regulatório do setor de saúde suplementar se tornou tema central de debates em todo o país. Para entidades de defesa do consumidor, a solução seria a fixação de valores de teto de reajustes tanto para planos individuais como coletivos. Para as operadoras de saúde, o pleito é por uma regulação mais adequada, mais próxima das condições do mercado, que permita o funcionamento eficiente do sistema.


A questão foi objeto de análise no “Estudo econômico sobre os desafios do setor de saúde suplementar no Brasil”, produzido pela Tendências Consultoria. O estudo foi apresentado pelo ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega durante o seminário “Efeitos da regulação sobre a saúde suplementar – um debate sobre os aspectos econômicos e a sustentabilidade do setor”, promovido pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), no final do ano passado em São Paulo (SP).


Desafios


Um dos desafios da saúde suplementar, identificado pelo estudo Tendências, é a assimetria de informações entre os participantes. Esta ocorre no caso, por exemplo, de famílias que possuem histórico de riscos e doenças, mas que não podem ser observado pelas operadoras, que desenham os planos para cobrir a família média. Segundo Maílson da Nóbrega, a consequência é a seleção adversa. “As famílias com menor risco, nesse contexto, têm menos estimulo para adquirir o plano”, diz.


Outra consequência da assimetria, ele aponta, é o risco moral, que gera conflitos no caso, por exemplo, de segurados que se esforçam para prevenir doenças, mas não contam com redução no preço do plano, porque operadora desconhece essa informação e porque os prêmios não podem ser ajustados. “Assim, cria-se o incentivo para a realização do maior número possível de exames e tratamentos”, avalia. Ele sugere o uso mais intensivo de técnicas de medicina preventiva, exames ou a adoção de prazos de carência. Para o risco moral, sua percepção é que aspectos estruturais do sistema devem ser discutidos para ampliar a transparência e se repensar o modelo de remuneração do setor de saúde.


Inflação da saúde


O problema do aumento de custos da saúde não é exclusividade do Brasil. De acordo com levantamento da OCDE, esses custos são crescentes desde a década de 60. Paralelamente, o país enfrenta o aumento da demanda em saúde devido ao envelhecimento populacional e ao fortalecimento do mercado de trabalho. O aumento da expectativa de vida também fez crescer o número de doenças crônicas no país, onde ainda também prevalecem as doenças contagiosas, fenômeno conhecido como “double disease burden” (algo como dupla doença).


Além da maior demanda, os custos da saúde são impactados pela incorporação de novas tecnologias. “Mesmo que os avanços tecnológicos produzam maior bem-estar para as pessoas, não evitam um aumento nos custos”, diz. Segundo o estudo, o problema é potencializado pelo modelo tradicional de gestão hospitalar, em que médicos são remunerados por serviço prestado (fee for servisse).


“Os centros de saúde e profissionais têm o incentivo para realizar o maior número possível de exames e procedimentos, pois são reembolsados por unidade mesmo que a sua necessidade não seja comprovada”, diz. Já os pacientes, segundo conclusão do estudo, são pouco sensíveis a desperdícios, já que não pagam diretamente aos provedores e, portanto, não têm noção dos custos.


A judicialização da saúde é outro elemento que contribui para a inflação médica. O estudo aponta que “as pesadas restrições e a falta de clareza em muitas das regras limitam o escopo de atuação dos agentes para lidar com os problemas e desafios existentes, aumentando os conflitos”. De acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça, em 2011 havia mais de 240 mil processos na Justiça.


O estudo detectou que outra questão que afeta o funcionamento do setor é a elaboração e atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que os planos de saúde são obrigados a oferecer. Segundo Maílson da Nóbrega, criou-se uma rigidez que leva ao aumento de custos. “A experiência mostra que esse problema é resolvido com a escassez, ou seja, o produto não é oferecido”, diz.


Prática negativa


De acordo com o estudo, a experiência já identificada na própria área de saúde suplementar, com o controle dos reajustes para planos individuais, passou a inibir a oferta desse produto no país. Em 2001, os planos individuais respondiam por 30,3% do total de beneficiários de planos de saúde no Brasil e atualmente respondem por 19,1% (dados de setembro de 2014). Por outro lado, a participação dos planos coletivos (empresariais e por adesão) no total de beneficiários avançou de 69,7% para 80,9% no mesmo período.


Maílson da Nóbrega destaca que a regulação de preços é uma prática historicamente negativa, que apenas agrava os desafios existentes de enfrentamento de alta de custos, independentemente da área de atividade econômica. A despeito das boas intenções que levaram a sua adoção, ele observa que a regulação de preços culminou em crises de desabastecimento, perda de qualidade ou até alta da inflação (quando a política foi eventualmente encerrada), e geralmente alguma combinação dos três fatores, em todos os países e setores em que foi adotada.


Alternativas de regulação


Para os consultores da Tendências, a solução dos problemas enfrentados na saúde suplementar passa por uma reformulação profunda. Para a regulação, são sugeridas medidas como:


- adoção do prontuário eletrônico dos pacientes (registro unificado do histórico médico de um paciente);

- ranking de hospitais (tais como a taxa de infecção hospitalar e de mortalidade operatória);

- monitoramento de remuneração de médicos (incluindo todos os gastos das empresas e seus representantes com os profissionais, além de viagens a congressos, consultorias e amostras de produtos);

- transparência na formulação do rol de procedimentos (critérios estáveis e baseados em evidência de custo-efetividade);

- maior publicidade a indicadores de planos de saúde (dados sobre o histórico de reajustes, indicadores de satisfação e taxas de expansão ou redução no número de beneficiários).


O estudo propõe, ainda, o abandono gradual do modelo de remuneração hospitalar “fee for service" pelo “Diagnosis-Related Groups” (definido com base no diagnóstico do paciente e na melhor experiência de utilização dos serviços), para reduzir o desperdício no setor e os custos dos atendimentos, sem comprometer a qualidade do serviço. Para os médicos, a remuneração sugerida é “pay of performance” (qualidade dos serviços prestados), e para os pacientes a adoção de pagamento de franquias.


Ainda de acordo com a Tendências, a consequência dessas mudanças resultaria em maior estímulo à eficiência, competição e contenção de custos, refletidos, por consequência, em menores preços e reajustes dos planos de saúde. “Ao não lidar com as verdadeiras causas dos problemas, a abordagem escolhida pelo governo amplia os desafios, gerando problemas de escassez relativa e piora na qualidade”, diz o ex-ministro. Para ele, “somente medidas que melhorem a eficiência do sistema podem trazer ganhos perenes e sustentáveis”.

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