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Seguro de RC precisa começar de novo


Desconstruir para construir em bases mais modernas. Com esta proposta, o especialista Walter Polido mostrou por que o seguro de RC está desatualizado, defasado e desconforme.


Ao abrir o Debate do Meio-Dia sobre “Tendências no seguro de Responsabilidade Civil: novos direitos, novas coberturas”, no dia 10 de dezembro na sede da APTS, a missão do advogado e consultor Walter Polido era apresentar uma visão construtiva do ramo, sobretudo em relação às perspectivas. Entretanto, ele, que é um dos profissionais mais experientes na matéria, entendeu que não poderia discorrer sobre o futuro sem antes situar seus expectadores sobre a grave situação atual do seguro de RC. “Porque, às vezes, nem sempre é possível criar coisas novas se a coisa antiga ou aquela já sedimentada não está bem conduzida”, disse.


Deste ponto em diante, Polido passou a “desconstruir” o seguro de RC, evidenciando o atraso e o descompasso do ramo em relação ao Direito, às relações de consumo e, principalmente, aos mercados desenvolvidos. “Desconstruir para construir em bases mais modernas. Esta é minha intenção porque vejo que o modelo atual, evidentemente, não é sustentável, já que ainda tem um ranço de mercado fechado”, justificou. Otimista, ele acredita que o mercado conseguirá superar a fase atual de transição na medida em que romper com velhos procedimentos.


O evento da APTS contou com a participação dos debatedores Gutemberg Viana, gerente de Responsabilidade Civil da Chubb, e Bruno Amorim, diretor da Aon. A mediação ficou a cargo do diretor técnico da APTS na área de Responsabilidade Civil Profissional, Felippe Moreira Paes Barretto.


A legislação e o seguro


Entre os artigos do Código Civil que contextualizam o fundamento da responsabilidade civil no país, o principal é o 186, que também menciona o dano moral como ato ilícito. Os demais são os artigos 787, 927 e 931. Sobre este último artigo, Polido chamou a atenção para a mudança conceitual em relação a danos causados por produtos, que desde então bastam estar em circulação. Antes do Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) determinava a responsabilização apenas por defeito de produto. “O significado de ‘circulação’ é muito mais amplo que ‘defeito’. Ou seja, basta que o produto exista e cause dano a seus usuários para que haja a responsabilização”, disse.


Por isso, ele considera que determinar hoje no clausulado da apólice de RC Produtos que a garantia do seguro somente se efetivará a partir da materialização do defeito é algo que se contradiz com o ordenamento jurídico. “Os segurados não podem ficar descobertos ou desprotegidos desta forma”, disse. “O Direito evoluiu, a responsabilização idem e os clausulados de seguros devem acompanhar esse dinamismo, sob a pena de obsolescência e de prejuízo aos segurados”, acrescentou.


O descompasso entre o seguro de RC e a legislação atual demonstra, na visão de Polido, que o mercado de seguros ainda tem um longo caminho a percorrer, mas deve ser célere na busca da atualização. A responsabilização por dano moral, por exemplo, que sequer era mencionada no Código Civil anterior, ainda hoje é ignorada pelo mercado. No seguro de RC essa cobertura é excluída e oferecida apenas como acessória e mesmo assim mediante sublimite e com sobretaxa. “É um mecanismo atrasado, que expõe o segurado a risco. Em mercados desenvolvidos é inconcebível jurídica e tecnicamente excluir danos morais do contexto de indenização de RC”, afirmou. “Esta parcela faz parte integrante do cômputo indenizatório”, complementou.


A exclusão de danos estéticos também é motivo de indignação. “Um cidadão que atropele alguém na rua poderá causar dano material, corporal, moral e estético. Mas, no entanto, muitas seguradoras não garantem esses riscos. Por quê? Porque é mais difícil de regular, mais trabalhoso e demorado na análise do sinistro”, disse. Pior ainda é a apólice de reembolso, que ele classifica de “jabuticaba” brasileira, já que existe apenas no país. “É um imbróglio criado no mercado fechado, quando as seguradoras temiam a ação direta de terceiro. Além de contrariar a função básica indenitária do seguro, quebra 100% a garantia, pois, de acordo com a apólice, primeiramente o segurado deve pagar, para então fazer jus ao reembolso”, disse. Significa que o segurado deve permanecer indene sempre e jamais ser reembolsado depois que ele já se descapitalizou.


Outra questão importante é a ampliação dos conceitos de perdas e danos. Na lei, na doutrina e na interpretação de juízes, danos corporais e materiais são comumente associados às perdas financeiras decorrentes. Mas, o termo “perda”, às vezes, é mal utilizado pelo seguro, como no caso de Riscos de Engenharia, cuja apólice substitui “dano” por “perda”, apesar de não pretender garantir lucros cessantes. Na visão de Polido, a terminologia dos clausulados está em desconformidade legal em várias e múltiplas situações e não apenas no ramo RC. Ele cita o caso de defeito de produto, que pode resultar em negativa de indenização e, consequentemente, em conflitos levados aos tribunais. “O contrato de seguro não pode excluir o objeto essencial da cobertura por ele proposta”, adverte.


Comparativo entre clausulados


Vinte e dois anos depois da vigência do CDC e mais de uma década depois da entrada em vigor do Código Civil de 2002, alguns clausulados de seguros de RC Produtos ainda permanecem desatualizados. Na visão de Polido, esse é a causa principal do aumento do número de ações na Justiça contra o seguro, o que não necessariamente se configura na judicialização do contrato. “Perto de mim ninguém diz essa bobagem. Deveriam se indagar por que milhares de ações chegam ao Judiciário primeiro. A resposta é: porque os clausulados são mal redigidos”, disse.


Outro problema dos clausulados são os termos mal definidos ou com nomenclaturas dúbias ou mesmo impróprias. Polido desconfia que no caso da utilização do termo “acidente” em clausulados de RC, inclusive nos padronizados da Susep, haja a influência do pessoal de property. “Com base nesse mal empregado termo algumas seguradoras negam indenização para danos em RC Produtos, alegando que não houve acidente”, disse. Segundo ele, nem sempre haverá a configuração de ‘acidente’, tal como o termo é concebido em property, em sinistros de RC. Por isso, alertou os corretores de seguros para que exijam a retirada desse termo das apólices. “Se venderem um produto ‘capenga’ estarão se expondo perante a lei pelo simples fato de não terem sugerido opção de produto melhor redigido aos seus clientes. Pensem nisso”.


Em comparação a mercados mais desenvolvidos, a grande diferença do mercado brasileiro, segundo o especialista, é a preocupação exacerbada de excluir riscos ao invés de cobri-los. Outra diferença importante é que no mercado externo predomina o modelo “all risks”, que oferece maior garantia ao segurado, ao contrário do modelo nacional de riscos nomeados, que limita as situações de sinistros ao especificar os riscos cobertos. “Lá fora se vê a frequência de sinistros como publicidade, cujo mecanismo é eficaz para a promoção do seguro. Quanto maior a frequência, mais pessoas compram seguro”, disse.


A responsabilidade pela situação dos clausulados ele atribui ao órgão regulador, cuja atuação classifica como ultrapassada e conservadora. “Precisamos de outro modelo, de outra posição, em que a Susep deixe de fazer clausulados, para cuidar apenas da fiscalização das seguradoras, visando a liquidez do sistema”, disse. Em sua opinião, a elaboração de clausulados é matéria de responsabilidade exclusiva das seguradoras e não do Poder Público e tampouco dos corretores de seguros. “Os produtos não-padronizados, inclusive, sofrem imposições contidas nas Listas de Verificações, também da Susep, as quais igualmente “padronizam” os clausulados de seguros no país e sob regras nem sempre condizentes com a realidade jurídica”, disse. Por isso, conclui que esses procedimentos não podem mais prosperar desta forma, caso o mercado deseje de fato modernizar-se. “Estamos no século XXI, em 2015”.


Clausulado padronizado


Polido não poupou críticas à Circular Susep 437/2012, que introduziu o modelo de clausulado padronizado em RC. Ele rejeita o argumento de que a norma “protege” o pequeno segurado em detrimento do “grande”, concluindo que houve retrocesso. Os problemas começam, a seu ver, pela expressão “exclusivamente” em riscos nomeados, o que configura a exclusão de garantia para os riscos não previstos. Em seguida, listou todas as coberturas que não são garantidas de forma automática, iniciando pela de perdas financeiras e lucros cessantes diretamente decorrentes. “Um absurdo. Isso não existe em nenhum lugar do mundo e também não acontecia no Brasil antes dessa circular”, afirmou.


Ele citou, ainda, as despesas com a defesa do segurado como outra parcela de risco hoje excluída pela circular da Susep e sujeita a cobertura adicional. “Como pode se afirmar que este tipo de procedimento protegeu alguém no país?! Os segurados de RC sempre tiveram essas coberturas automaticamente e agora devem prevê-las adicionalmente. Este ponto certamente redundará em ações judiciais contra as seguradoras e mesmo contra os corretores que não se atentarem para essas mudanças e deixarem de orientar convenientemente os seus clientes a respeito”, afirmou.



Fonte: Revista APTS Notícias - ed. 113 (leia a matéria completa clicando aqui)


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