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A um passo da liberdade


Proposta da Susep para simplificar normas dos seguros massificados atende ao antigo anseio de liberdade do mercado para criar e desenvolver produtos, sem restrições.


Enfrentando os desafios da grave crise sanitária e da combalida economia, o setor de seguros teve um alento no final de julho com a proposta da Susep de simplificar os seguros massificados. O edital, que deverá permanecer em consulta pública até meados de setembro, prevê desde o tratamento regulatório diferenciado para os massificados até a flexibilização da estrutura das coberturas e desenho de produtos. No bojo das mudanças propostas estão o fim dos planos padronizados de seguros e das listas de verificação, a permissão para a conjugação de coberturas de diferentes ramos em um mesmo produto e a aprovação automática de produtos. Em suma, a proposta se traduz na desejada liberdade para o mercado criar e desenvolver produtos, sem restrições.


A questão é que apesar de ser um mercado pujante, com reservas acima de R$ 1 trilhão, e de se destacar em alguns quesitos, como o de incorporação de novas tecnologias, o seguro é pouco inovador em produtos e serviços se comparado a mercados de países mais desenvolvidos. A razão para esse descompasso está no antigo modelo de atuação herdado do período de monopólio do resseguro (1939 a 2007), que até hoje obriga o setor a submeter à aprovação do órgão regulador a maioria de seus novos produtos ou, ainda, enquadrá-los em normas e clausulados padronizados. Para Rafael Scherre, diretor Técnico da Susep, é clara a percepção sobre o excesso de regulação aplicado ao setor de seguros no Brasil.


Scherre observa que o excesso de regras ao longo do tempo é comum ao processo regulatório, mas não sem prejuízos à competitividade. “Provoca o engessamento, muitas vezes sob o argumento de proteção ao consumidor. No entanto, é a concorrência que gera ao longo do tempo os melhores resultados para os consumidores”, diz. Essa dinâmica, na sua visão, resulta em inovação por meio da diversificação de produtos adequados a diferentes perfis, com mais qualidade e melhores preços. Daí porque a Susep quer flexibilizar e simplificar a atual regulação aplicável aos seguros de danos massificados com o objetivo de estimular a competitividade. Nesse novo ambiente, a expectativa da autarquia é que surjam produtos mais simples e de fácil entendimento para o consumidor. “Espera-se que isso favoreça a confiança no mercado de seguros no Brasil, gerando grande potencial de crescimento”, diz.


Valorização da técnica

“Finalmente, chegamos à abertura do mercado de seguros nacional, rumo ao desenvolvimento sustentável”, comemora o professor e consultor Walter Polido, da Polido e Carvalho Consultoria e da Conhecer Seguros. Como uma das poucas vozes do setor que sempre defendeu a liberdade para a elaboração de clausulados, ele considera que a padronização desconfigurou a atividade seguradora. Mais do que isso, a atuação sob o regime de modelos estatizantes de contratos também prejudicou a qualidade técnica ao segregar o país dos demais mercados desenvolvidos. “Atualmente, os clausulados de coberturas se situam em patamar de baixa qualidade técnico-jurídica, impedindo o acesso dos consumidores de seguros aos modelos modernos e diversificados encontrados em mercados maduros e competitivos”, diz.


A queda de qualidade técnica, por sua vez, tornou os produtos nacionais idênticos, segundo Polido, quer na estrutura já anacrônica de condições gerais + condições especiais, quer na abrangência das coberturas consignadas. Isso porque, em sua opinião, o mercado de seguros brasileiro se tornou um modelo “financeirizado”, no qual o preço prevalece em detrimento da diversificação e abrangência de coberturas. “Seguro não é um produto financeiro tradicional e a sua base técnica não pode ser anulada”, diz. A padronização de clausulados, todavia, induz a este tipo de visão sobre o seguro. O diretor Técnico da Susep acrescenta uma questão que tem prejudicado o mercado, que é o conceito de aprovação de produtos e de aplicação de listas de verificação. Embora não exista na Susep a previsão de aprovação dos produtos de seguros de danos, a soma de diversos fatores torna isso, na prática, uma regra.


Scherre destaca que diversos elementos contribuem para a percepção equivocada de que cabe à Susep aprovar produtos. Além do registro prévio de produtos submetidos a listas de verificação, ele inclui a existência de planos padronizados (com clausulados estabelecidos pelo regulador) e não-padronizados e a estruturação de condições contratuais de forma rígida e com alto custo de alteração (condições gerais, especiais e particulares). “A Susep está propondo a revogação da maior parte desses elementos e deixando claro que não há aprovação de produtos de seguros de danos. Isso é fundamental para que a simplificação regulatória aconteça e seus benefícios sejam gerados”, diz.


Por essas e outras, Polido acredita que o novo momento que o mercado está prestes a viver, romperá com o passado, ainda que possa causar perplexidade a alguns. Ele analisa que o processo liberalizante proposto pela Susep deverá conduzir as ações das seguradoras em duas vertentes. Na primeira, serão estabelecidas novas bases contratuais por segmento, de livre iniciativa de cada seguradora. Na segunda, ressurgirão as bases técnicas de subscrição e de precificação adequada aos riscos. Apesar de prever maior concentração de mercado, já que algumas seguradoras optarão por atuar apenas nas áreas que tiverem maior domínio técnico e pela clara tendência de aumento de sinistros acobertados, ele entende que haverá mais espaço para a técnica de seguros.


“Os profissionais especializados, de fato, serão muito mais valorizados”, diz. Ele acrescenta que os produtos de seguros serão escolhidos com base no leque de coberturas que oferecerem e não mais apenas em razão do preço. “Somente a liberdade de atuação das seguradoras pode propiciar este tipo de comportamento salutar, que já é encontrado nos mercados maduros de seguros”, diz, acrescentando que “todos os agentes que atuam no mercado de seguros brasileiro deverão se preparar para o novo tempo que está próximo, notadamente os corretores de seguros”.


Futuro chegou

A proposta de simplificação deverá alcançar também os grandes riscos. Segundo o diretor Técnico da Susep, a consulta pública já separa os seguros massificados dos de grandes riscos, já que os motivos para regular um segmento não existem no outro. “Nos seguros massificados há maior preocupação com os consumidores de menor capacidade de negociação. Por isso, são propostas regras gerais que buscam dar adequada proteção a esse grupo, mas sem engessar e inibir a competição. Transparência é o mais importante”, diz Scherre.


Polido avalia que a liberdade de atuação para os grandes riscos, seja talvez a área mais importante para este tipo de procedimento. “É impensável a manutenção do 'status quo' que criou e promoveu desde sempre desacertos na subscrição de riscos, a alma da atividade seguradora”, diz. Ele observa que faz bastante tempo que o setor não é “sacudido” por uma onda de modernidade. Por suas contas, a última vez foi em meados dos anos 1980, quando o então superintendente da Susep, João Régis dos Santos, determinou a liberdade de tarifação para os seguros de automóveis, incêndio, vida em grupo, e, posteriormente, para outros ramos.


“Hoje, não há mais motivo algum para protelações. A liberdade representa verdadeiramente o marco divisório entre o atraso e o desenvolvimento, sem exagero na expressão. O futuro chegou e é agora”, diz.


Fonte: APTS | Texto: Márcia Alves


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