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“Seguradoras devem cobrir risco de pandemia, não por solidariedade, mas obrigação”

A opinião é do advogado Ernesto Tzirulnik, que projeta aumento da sinistralidade em todos os ramos, porém suportável para as seguradoras que tiverem um bom plano de resseguro.

Ao contrário da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que logo emitiu nota, no início de março, garantindo que os planos de saúde cobririam o tratamento de pacientes com coronavírus, o mercado de seguros demora a reagir. Algumas seguradoras - doze, até o momento - já se comprometeram a cobrir o risco de morte no seguro de vida em decorrência da pandemia, apesar de este risco constar nas exclusões das apólices. Mas, por que não há um manifesto conjunto dos setores segurador e ressegurador?


Tzirulnik

Essa é a pergunta que o advogado Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), fez no artigo “Os seguros, a crise e o coronavírus”, publicado no portal do jornal O Estado de S. Paulo, no dia 25 de março. Ele também traçou um cenário de aumento considerável da sinistralidade, mesmo fora dos ramos de saúde e vida, como incêndios, deterioração de cargas, além de perda de salários e lucratividade em diversas atividades, com repercussão nos contratos de seguro.


“Os seguros, nessa preocupante circunstância, serão chamados para que cumpram sua função econômica precípua de socorro aos segurados”, disse o advogado. A News APTS procurou Tzirulnik para repercutir esta e outras questões abordadas por ele no artigo. Acompanhe a seguir:


FALTA DE MANIFESTAÇÃO EM BLOCO

O que se esperava da FenaPrevi, CNseg, Fenaber era o esclarecimento uníssono de que os sinistros serão indenizados independentemente do fato de estarem associados à pandemia. Isso acalmaria os ânimos da sociedade que já está em pânico diante da crise. A Susep se compreende que esteja engastalhada porque a pública negação da pandemia pelo presidente Bolsonaro atrapalha definições no plano do Poder Executivo em geral, e pelo fato de que em 2012, quando disciplinava os microsseguros, expediu a Circular 440/201, que no art. 12, letra “e” previa a possibilidade de exclusão de pandemia e endemia declarada pelas autoridades competentes. A propósito disto o IBDS já se manifestou em 2012 criticando o estatuto do microsseguro que oficializava a existência de seguros para micro cidadãos com micro direitos”.


APELO DA FENACOR É POSITIVO, MAS NÃO BASTA

Em meados de março, a Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor) fez um apelo às seguradoras para que não aplicassem as cláusulas de exclusão de cobertura em função de pandemias, em vida e saúde. No final do mês, a federação novamente se manifestou, desta feita para agradecer às nove seguradoras que até aquela ocasião haviam divulgado a intenção de não aplicar a exclusão.

Quando estamos diante de cláusulas abusivas, que excluem parte essencial dos serviços de seguros contratados, não devemos fazer apelos e sim exigir o pronunciamento de que não haverá negativas abusivas. O passo dado pela Fenacor, se realmente foi o de fazer um apelo às seguradoras, é positivo, mas receio que alguns acabem ficando com a ideia de que as negativas teriam fundamento técnico e jurídico, o que não é verdade”.

ARGUMENTO DE PAGAMENTO POR MERA LIBERALIDADE É QUESTIONÁVEL

Algumas seguradoras divulgaram na mídia que mesmo sem a obrigação legal, pagariam as indenizações dos riscos decorrentes de pandemia. Na interpretação de Tzirulnik, o pagamento por mera liberalidade pode constituir ato ilícito ou o reconhecimento de que os prêmios são cobrados em demasia.

“Aparentemente é uma boa publicidade, uma jogada de marketing muito oportuna, mas na verdade se trata de reconhecer uma responsabilidade contratual que já existe e não de dadivosidade, generosidade ou ato de solidariedade humanista. Os administradores das seguradoras estão proibidos de autorizar pagamentos que não se encontrem amparados pelo seguro. A lei fixa penalidade para esse tipo de cortesia e quem adotá-la, nesses termos, comete ato ilícito. Não seria estranho acionistas ajuizarem demandas e acionarem os seguros D&O desses administradores caso fosse verdade o argumento dadivoso. Quanto ao exagero nos prêmios que afirmei na matéria publicada no portal do Estado de São Paulo, é simples: se uma seguradora se vê em condições de pagar por aquilo que entende ser indevido, além de se tratar de prática ilícita isso significa que deve estar superfaturando ao fixar as taxas para o cálculo dos prêmios. Seguros não são negócios aleatórios típicos, exigem comutação entre preço e garantia, por isso a lei prevê que o aumento ou a redução dos riscos deve acompanhar-se da cobrança de sobre prêmio ou devolução de parte do prêmio recebido”.


“NADA JUSTIFICA UMA SEGURADORA GARANTIR O RISCO DE PANDEMIA E OUTRA NÃO”

No seu artigo, Tzirulnik afirma que não se trata de caridade o pagamento de indenização em caso de pandemia, e que a razão só pode ser jurídica.

“Cumprir uma obrigação não é gesto de solidariedade, mas o adimplemento de uma obrigação. Nada justifica uma seguradora garantir e a outra não garantir o risco associado à pandemia, quando praticam políticas de preço parelhas. A pandemia não é causa de morte. Ela é mera condição. Não existe doença pandemia. Existem doenças que incidem territorialmente de forma tão ampla que as autoridades podem reconhecer a existência de uma incidência pandêmica dessa doença. “Morreu de que? Pandemia!” Esse é um diálogo atécnico, como é o de uma recente decisão da Justiça Trabalhista que equiparou o coronavírus a uma catástrofe para autorizar o levantamento do FGTS”


PLANO DE RESSEGURO ADEQUADO REDUZ IMPACTO DA PANDEMIA

Para Tzirulnik, o asseguramento do risco de pandemia não trará abalo para a seguradora que tenha um plano de resseguro adequado para superar os desvios atuariais. Ele afirma que se a sinistralidade da seguradora aumenta com a pandemia, também pode aumentar, ainda mais exponencialmente, por exemplo, quando cai a aeronave que assegurou, cheia de passageiros também seus segurados, ou que destrói uma planta industrial que ela também garante.

“Essa concentração de prejuízos é risco intrínseco à atividade seguradora e justamente para protegê-la é que são contratados os resseguros. Se a seguradora não se preocupou com os desvios por catástrofes e acúmulo de sinistros, ela contratou mal o resseguro, a falta é profissional dela, caso de má prática de gestão da política de solvência, e não efeitos irresistíveis de um fato. Tenho certeza de que a sinistralidade do coronavírus impactará sensivelmente a nossa sociedade, mas no ramo vida não afetará de forma relevante o setor segurador, como se alardeia. Por isso é que as boas seguradoras já estão divulgando para seus clientes que não têm com o que se preocuparem mesmo diante de exclusões genéricas e acidentais – e inválidas – de pandemia”.


Fonte: APTS |Texto: Márcia Alves

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