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Economia comportamental decifra a decisão de consumo

Professor da FGV explica como essa nova ciência pode ajudar a entender como e por que consumimos.


Assim como outras disciplinas, a economia passa por transformações. Recentemente uma nova disciplina ganhou espaço: a economia comportamental. Relativamente nova, ela é resultado de estudos de vários campos, como psicologia, neurociência e de outras ciências sociais. A economia tradicional considera que o mercado ou o próprio processo de evolução são capazes de solucionar erros de decisão provenientes de uma racionalidade limitada. Do seu lado, a economia comportamental sugere que as pessoas decidem com base em hábitos, experiência pessoal e regras práticas simplificadas.


Em entrevista à revista APTS Notícias, o professor Bruno Oliva, doutor e mestre em economia pela FGV EESP, explica o assunto. Ele também é consultor econômico e pesquisador da Fipe e foi economista da área de Economia e Direito da LCA Consultores (defesa da concorrência e regulação econômica).


Revista APTS: Algumas faculdades no Brasil passaram a oferecer o curso de economia comportamental. Qual o objetivo do estudo sobre a economia comportamental?

Bruno Oliva: Na minha visão, o principal objetivo da ciência econômica é aumentar o nosso entendimento acerca dos fenômenos sociais, em particular os relacionados aos seus aspectos econômicos, de modo a melhorar as decisões das pessoas, tanto de ordem privada como de caráter público.


Para atingir o seu objetivo, os economistas, assim como profissionais de outras áreas, utilizam algumas ferramentas analíticas. É neste contexto que se insere a economia comportamental que, basicamente, expande as ferramentas analíticas à disposição da análise econômica e o faz, principalmente, inserindo elementos da psicologia na análise da tomada de decisão dos indivíduos.


O ensino da economia comportamental no Brasil ainda é muito incipiente, porém está se expandindo de forma rápida. Atualmente, algumas instituições de ensino ofertam a disciplina de economia comportamental em cursos de graduação e pós-graduação na área de economia, mas ainda há um longo caminho para que se solidifique como área de pesquisa e de conhecimento no país.


APTS: Quais os principais elementos que a economia comportamental agrega para melhorar o conhecimento da economia?

Oliva: Grosso modo, a análise econômica tradicional parte da ideia de que os tomadores de decisão são plenamente racionais, vale dizer, conseguem fazer escolhas que maximizam a sua satisfação e não seriam afetados, por exemplo, por problemas de autocontrole, emoções, raciocínio etc.


A economia comportamental, por sua vez, tem como principal foco de análise justamente esses aspectos que são negligenciados pela chamada economia “tradicional” e, por sua vez, tem papel de destaque em ramos da psicologia.


Talvez, um exemplo ajude a pensar a diferença de análise entre as duas abordagens. Quando vamos a uma cantina italiana é comum que os garçons nos ofereçam, de graça, uma cesta de pães italianos com manteiga e azeite. Mesmo gostando, há quem peça para que o garçom não coloque a cesta na mesa, com o objetivo de não comer pães demais e estragar o almoço de domingo.


Fazendo uma análise “tradicional” essa precaução do cliente não faz o mínimo sentido. Ora, se ele acha que comer pães demais estragaria o seu almoço, basta não comê-los, mesmo que esteja à sua frente. Ou seja, não se ganha nada ao negar a oferta do garçom.


Já de uma perspectiva comportamental essa decisão do cliente faz todo sentido. Sabendo que seu autocontrole não é muito desenvolvido, negar o acesso aos pães, mesmo sendo de graça, é um artifício do cliente para que não coma pães demais, estragando o prazer do prato principal.


APTS: A economia comportamental entra em conflito com a economia mais tradicional?

Oliva: Novidades disruptivas nem sempre são bem aceitas pela sociedade quando vêm à tona. A partir de meados da década de 70, quando começou a ser estruturada a economia comportamental como área do conhecimento, havia uma descrença muito grande por parte dos “economistas tradicionais”. Muitas das críticas iam na direção de que se tratava de uma forma errada de se fazer análise econômica, em contraposição ao que seria a forma correta, a tradicional.


Com o tempo, felizmente, os elementos desenvolvidos a partir da economia comportamental vêm sendo considerados pertinentes e, ao invés de serem rechaçados, estão sendo incorporados na análise econômica. Um importante sinal desse movimento de absorção é que quatro pesquisadores da área de economia comportamental ganharam prêmios Nobel de Economia desde 2002 (Daniel Kahneman, Vernon Smith, Robert Shiller e Richard Thaler).


APTS: Como a economia comportamental pode ser aplicada?

Oliva: A economia comportamental procura compreender de que modo as pessoas tomam decisões, nas mais variadas dimensões. São consideradas decisões de consumo nas relações com colegas de trabalho, como se comportam sob pressão, quanto de risco estão dispostos a assumir, como fazem apostas em corridas de cavalos e até quantos minutos de acréscimo dão em uma partida de futebol (no caso de árbitros).


Uma das aplicações mais importantes é o que se convencionou chamar de arquitetura de escolhas. Levando em consideração que as pessoas têm um determinado comportamento que pode fugir do que seria o ideal - mais uma vez o exemplo do autocontrole é marcante – é possível ajuda-las a escolherem melhor (para elas mesmas ou para a sociedade como um todo), tornando o ambiente no qual tomam decisões mais propícios à melhor escolha.


Mais uma vez, um exemplo pode ajudar a entender a ideia de arquitetura de escolha. É sabido que existe, em vários lugares do mundo, um déficit de órgãos para doação e, em geral, é desejo da sociedade que haja uma maior oferta de órgãos. Apesar de ser um problema recorrente e generalizado, existe muita diferença entre os índices de pessoas doadoras ao redor do mundo; há lugares em com cerca de 90% e outros onde os índices beiram os 10%.


Há um aspecto muito interessante que ajuda a explicar essa diferença tão expressiva e é, justamente, a arquitetura de escolha (neste caso a escolha da pessoa em ser ou não doadora). Em países onde as regras para que o cidadão seja doador é do tipo opt-out – ou seja, a pessoa é considerada doadora e caso não queira ser deve informar às autoridades essa decisão – os índices de pessoas doadoras são significativamente mais elevados do que nos países cuja regra é de opt-in – a princípio a pessoa não é doadora e precisa avisar as autoridades para que seja doadora.


Vale dizer, a economia comportamental estuda, fundamentalmente, os processos de tomada de decisão e suas aplicações potenciais são extremamente abrangentes.


APTS: De que forma a economia comportamental pode ser usada no setor de seguros?

Oliva: Uma utilização da economia comportamental no mercado de seguros, e que já vem sendo aplicada em alguns mercados, é por meio da arquitetura de escolhas. Há mecanismos para influenciar o comportamento dos segurados de tal modo que seja bom tanto para ele quanto para a seguradora. Por exemplo: no contexto de planos de saúde, é possível oferecer descontos (ou outros incentivos como cupons, milhagem etc.) para aqueles segurados que, comprovadamente, tomem ações que aumentem o monitoramento ou melhorem a sua saúde, reduzindo, portanto, gastos médicos. Como exemplo pode-se citar a realização de exames de rotinas relativamente baratos, exercícios físicos etc.


Fonte: Revista APTS noticia 134

Matéria extraída da Revista APTS notícia (Ed:134)


Acesse o conteúdo da revista no site da APTS: Edição 134

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