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Confiabilidade e seguro são soluções para os riscos de barragens


No evento promovido pela APTS, ABGR e ENS, especialistas analisam as falhas na gestão de riscos de barragens e a deficiência do seguro, apontando soluções.


O Brasil tem mais de 24 mil barragens, usadas para a produção de energia elétrica, contenção de rejeitos de mineração, disposição de resíduos industriais ou usos múltiplos da água. Brumadinho e Mariana, ambas em Minas Gerais, eram estruturas classificadas como de baixo risco, com documentação em dia segundo a legislação atual e administradas por empresas de grande porte. No entanto, o rompimento destas barragens causou enorme tragédia ambiental e ceifou centenas de vidas. Por que o risco não foi detectado?


“Acidentes podem acontecer independentemente da nossa intenção. Mas, é possível colaborar para a sua ocorrência, de forma voluntária ou por motivos financeiros”, disse o consultor técnico em análise de risco Marcos Siqueira Moura, da Engenharia de Pesquisa & Solução. Ele apresentou o tema “Do projeto à confiabilidade: o risco da barragem” no seminário “Seguros e gestão de riscos para barragens”, promovido pela APTS em parceria com a Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR) e a Escola Nacional de Seguros (ENS), em abril, em São Paulo.


O advogado e titular da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguro, Walter Polido, também abordou o tema barragem do ponto de vista do seguro. “A apólice de Responsabilidade Civil Geral é suficiente para a garantia dos riscos de barragens? ”. Este foi o ponto de partida da sua apresentação, que também discutiu o seguro ambiental. O evento foi mediado pelo consultor de riscos e seguros, Paulo Leão de Moura Jr., chairman da THB Corretora de Resseguros.


Confiabilidade precede o seguro

Para a plateia lotada, composta em sua maioria por profissionais de seguros, Marcos Moura disse que o seu propósito era trazer um novo olhar sobre o seguro para barragens. “Para vocês, o seguro é prioridade? Para mim, não, pois, seguro é valor e como tal basta acontecer uma crise econômica para deixar de ser prioridade”. Da mesma forma a segurança, se for apenas prioridade, ele acredita que em algum momento também perderá o seu valor. Por isso, afirma que a confiabilidade precisa fazer parte da cultura organizacional das empresas. “De nada adianta avaliar e gerenciar o risco se a infraestrutura não for confiável”, disse.


Como engenheiro eletricista, com formação em análise de sistemas industriais e engenharia de confiabilidade, Moura acumula experiência de trabalho em barragens. Ele explica por que a confiabilidade vem antes do seguro. “O seguro é vendido pelo risco, mas precisa ser garantido pela confiabilidade”. Ao mostrar ilustrações de barragens de resíduos e hidroelétricas, ele apontou que o perigo está no alto da imagem, na própria barragem, e a vulnerabilidade abaixo, na região habitada. Ainda que o seguro seja destinado a proteger a parte vulnerável, Moura disse que o olhar deve ser ajustado aonde está o risco. “O produto do seguro é o risco, que está lá embaixo, mas somente a confiabilidade do que está lá no alto pode garanti-lo”, disse.


Moura apresentou exemplos de barragens, como a Sul, de Ituporanga (SC), na qual trabalhou na simulação elétrica, e, ainda, a barragem da CSN, em Congonhas (MG), que apesar da suspeita, é estável. Outro exemplo é a barragem Amaila Falls, na Guiana Francesa, cercada por três cidades densamente habitadas, que deveria funcionar como hidrelétrica, mas acabou abandonada. Ele conta que trabalhou nas simulações de confiabilidade operacional em projeto, implantação estrutural e análise de risco, concluindo que não havia condições para a geração de energia. “Também não haveria nenhuma seguradora disposta a cobrir aquele risco”, disse.


Conceito de risco

Moura explicou que o conceito de risco é resultado das variáveis perigo (probabilidade de ocorrência), vulnerabilidade e dano potencial. Em seu estado da arte, o risco envolve três etapas de gestão. A primeira é o conhecimento do risco, a partir da identificação dos seus componentes (ameaça, exposição e vulnerabilidade), seguida da análise e avaliação e pela comunicação do risco. A segunda etapa é a redução do risco, que é feita por meio de intervenção corretiva (riscos já instalados) e prospectiva (novos riscos), além da proteção financeira. Na terceira e última etapa vem o manejo do desastre, que requer respostas para a recuperação dos serviços e a reabilitação e reconstrução.


O risco é dinâmico e está presente em várias situações, segundo Moura. O tempo (probabilidade) e o espaço (susceptibilidade) influem na intensidade do risco. Já a vulnerabilidade ocorre nos casos de populações ou bens expostos e, ainda, sob o aspecto da vulnerabilidade social. Para Moura, não há como garantir o risco no caso de barragens se não houver mecanismos de controle da confiabilidade da infraestrutura. “Portanto, a maneira de mudar a ótica do seguro sobre barragem é pela confiabilidade e não pelo risco”, disse.


Moura duvida que, no caso de Brumadinho, em algum momento os responsáveis pela segurança da barragem tenham se preocupado com a historicidade da infraestrutura. Em sua opinião, se fossem levados em consideração a taxa e o índice de confiabilidade, talvez, o acidente não tivesse ocorrido. “Se um está alto e o outro baixo, dá para desconfiar que algo está errado”, disse.


A abertura do evento foi realizada por Octavio Milliet, presidente da APTS, Marcelo D’Alessandro, diretor da ABGR, e Ronny Martins, gerente da ENS

Caminhos da confiabilidade

Moura apresentou uma cronologia de normas e leis que ajudaram a expandir o uso da confiabilidade em grandes obras. A ISO 31.000/2009, segundo ele, trouxe várias ferramentas de gestão, controle e análise de riscos. Antes dela, havia a PAS 55/2008, criada na África do Sul, que foi precursora da ISO 55.000/2014, com foco na gestão de ativos e que contém um extenso item sobre gestão de confiabilidade. Em 2010, entrou em vigor a Lei 12.334, que realinhou as melhores práticas para engenharia de barragens. Entretanto, ele defende que esta lei precisa ser revigorada.


Em 2015, a Lei 696 trouxe a análise de confiabilidade integrada ao sistema nacional, passando a ser usada pela ANEEL. Mas, Moura admite que havia falhas nesta lei. Tanto que, em 2017, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) publicou a Portaria 70.389, melhorando alguns pontos da lei. Na mesma época, a Resolução 236/2017 da Agência de águas (ANA), segundo ele, compôs os três índices de criticidade (A, B e C), que, posteriormente, ganhou mais dois índices.


“O pessoal da engenharia trabalha com cinco índices de criticidade. Com isso, a ferramenta de análise crítica ficou mais robusta, possibilitando enxergar a confiabilidade da infraestrutura dentro de várias vertentes, como elétrica, civil e geológica, para compor a taxa de risco e o índice de confiabilidade”, disse. Moura falou da sua expectativa pelas novas normas internacionais para barragens, que irão estabelecer um padrão internacional para instalações que armazenam rejeitos de mineração. Segundo ele, Tom Butler, presidente do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), afirmou que até o final do ano será publicada a norma. “A norma reforçará essa nova visão de que não se pode olhar o seguro apenas pelo risco e a gestão, mas também pela gestão da confiabilidade”, disse.


Se o seguro voltar o seu foco para a confiabilidade em vez do risco, Moura acredita que o custo da apólice poderá ser reduzido significativamente. “Em vez de R$ 1 bilhão, o seguro poderá custar R$ 1 milhão”, disse.


Gestão de risco

O caminho para o seguro, segundo Moura, é precedido pela identificação, análise e avaliação dos

riscos. Já o processo de gestão da confiabilidade envolve a gestão de riscos em suas diversas fases – simulação das possibilidades, análise da confiabilidade e avaliação constante. “O risco é dinâmico. Se o risco nasce da infraestrutura, ele dá suporte e alimentação para a confiabilidade”, disse. Ele explicou que a avaliação combinada com a gestão de riscos resulta na operacionalidade do negócio e se combinada com a simulação, traz a visão do oculto. “Para assegurar uma infraestrutura é preciso conhecer o que está oculto”, disse.


A simulação das possibilidades junto com a análise da confiabilidade dá o poder de decisão, segundo Moura, para todo o stakeholder, incluindo o cliente, a seguradora e resseguradora. A avaliação da confiabilidade em conjunto com a análise de confiabilidade resulta na melhoria contínua. “Comecem a pensar em gestão da confiabilidade. Observar o risco e prevenir é a melhor ação para voar. Mas testar a confiabilidade do sistema ao longo do tempo é uma segurança para esse seu voo. E se tiverem essa nova ótica, poderão garantir a perenidade do produto seguro”, concluiu.

Fonte: Revista APTS (Ed:134)

Matéria exttraida da revista APTS Notícias (Ed: 134)


Acesse o conteúdo da revista no site da APTS: Edição 134

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