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A apólice de RCG é suficiente para a garantia dos riscos ambientais?

Continuação matéria retirada da revista APTS Notícia 134

O especialista Walter Polido analisa as deficiências da cobertura ambiental nos seguros de RC e os impactos do seguro ambiental, incluindo a sua obrigatoriedade.


Estas e outras questões foram levantadas pelo consultor e advogado Walter Polido, especialista em seguros ambientais e autor de livro “Programas de Seguros de Riscos Ambientais no Brasil – Estágio de desenvolvimento atual”, que já está em sua quarta edição. Ele mencionou que a legislação brasileira reconhece o seguro como instrumento econômico de proteção ambiental, mas poucos sabem disso. A Lei 6.938/1981, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente, traz a indicação do seguro ambiental. No entanto, não especifica o tipo de seguro.

A maioria das empresas com atividades potencialmente poluidoras possuem a apólice de seguro de Responsabilidade Civil clássica, com a famosa cláusula de poluição súbita acidental. Mas, esta cláusula seria suficiente para os complexos riscos ambientais? Polido responde que não e ainda chama a atenção para a falsa expectativa que ela traz. Em sua avaliação, os corretores de seguros não podem ter a ilusão de que os seus clientes estão garantidos com essa apólice.


Seguro limitado

O seguro de RC, com a cláusula de poluição súbita e acidental, é um produto padronizado há anos no mercado nacional por meio da Circular Susep 437/2012. Entretanto, esta cláusula tem algumas condicionantes que Polido classifica como alarmantes e que, a seu ver, merecem a completa avaliação dos seus significados. Por exemplo: a cobertura se restringe a evento iniciado e terminado em 72 horas. “Isto é decisivo, porque a maioria dos sinistros ambientais excede esse prazo e deixa de ter cobertura”, disse. Em relação a outra condicionante, que prevê a cobertura apenas para os danos resultantes dentro das mencionadas 72 horas, ele cita o exemplo de Brumadinho, que nesses termos não teria mais cobertura, apesar de o sinistro apresentar desdobramentos até hoje. “Sinistro ambiental, via de regra, é continuado e se projeta no tempo”, disse.


A cláusula da apólice do seguro RC cobre apenas os "bens tangíveis", mas não os "bens naturais". Significa que só garante os danos materiais e pessoais a terceiros. “Uma conceituação bem limitada”, a seu ver, já que exclui a cobertura, por exemplo, para os danos ecológicos. Ele destaca que apenas o seguro de riscos ambientais específico garante a cobertura das despesas com a remediação dos bens naturais, os chamados danos ecológicos puros (ecossistema, fauna, flora etc.). Segundo Polido, mesmo que seja contratado um seguro específico de risco ambiental, dependendo do conceito da apólice para o risco de poluição ambiental, o simples rompimento de barragem que contenha água pode não caracterizar esse risco, frustrando a expectativa da cobertura.


No caso, portanto, de barragens, o especialista afirma que as apólices nem sempre são objetivas a esse respeito e que os corretores precisam estar atentos de modo a solicitarem a devida alteração da definição. A finalidade a ser buscada deve contemplar também essa situação de risco, uma vez que o rompimento traz consequências catastróficas, apesar de não se tratar, propriamente dito, de uma "poluição ambiental" típica.


O seguro clássico de RC Operações Comerciais/Industriais, por sua vez, menciona apenas a cobertura para a “existência, uso e manutenção de barragens” e da mesma forma pode gerar conflitos de interpretação em caso de sinistros. Na avaliação de Polido, esse tipo de risco é demasiadamente complexo para ficar sujeito a cláusulas com redação simplificada e nada objetiva. “O mercado de seguros nacional precisa amadurecer nesse sentido e oferecer clausulados transparentes, perfeitamente lógicos e precisos segundo a natureza dos riscos”. Segundo ele, a judicialização crescente tem demonstrado o quanto essa meta está longe de ser praticada. Mas, adverte que é preciso superar esse patamar estagnante. “A má redação dos clausulados, especialmente aqueles padronizados pela Susep, de questionável qualidade técnica e jurídica, têm prejudicado a todos, segurados e seguradoras”, disse.


No seguro de Responsabilidade Civil Geral (RCG) – apólice contratada pela maioria dos empresários brasileiros –, tem surgido inúmeras controvérsias envolvendo sinistros ambientais. Polido observa que os riscos ambientais são muito mais complexos do que os termos e condições de coberturas oferecidos por este tipo de apólice. “Diante da negativa de indenização, o segurado contrata advogados e peritos para tentar reverter a cobertura, mas, nem sempre consegue. Isso é ruim para a imagem do seguro. De outro lado, é ilusão pensar que a cláusula de barragem na apólice de RC cobre tudo. Não cobre”, afirma. Para o palestrante, essa situação demonstra o atraso do país no reconhecimento da importância do seguro ambiental, diferentemente do que ocorre em países mais desenvolvidos. “Em países com sociedade e mercado de seguros maduros, automóvel não é a maior carteira, mas sim RC e seguros de pessoas”, comentou. “Precisamos evoluir”, acrescentou.


Por outro lado, ele se viu na obrigação de lembrar que o Código Civil, art. 23, define: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Por isso, alertou que determinadas exclusões, quando não redigidas com clareza, poderão não ser reconhecidas pelas Cortes de Justiça, em eventuais ações.


Modelos estrangeiros

Segundo o palestrante, cláusulas semelhantes ao modelo brasileiro de apólices tradicionais RC eram utilizadas também nos Estados Unidos na longínqua década de 1980, até proliferarem multas e milionárias ações coletivas contra as seguradoras. Naquela época, as apólices, assim como são hoje no Brasil, eram à base de ocorrências. Por isso, o Judiciário americano somou os limites das apólices pelos períodos anuais de coberturas e criou uma espécie de fundo de compensação, utilizado inclusive para a limpeza dos locais agredidos. “Isso pode acontecer também no Brasil, onde as seguradoras têm um passivo enorme por causa dessa cláusula de poluição súbita”, disse, lembrando que o exemplo norte-americano está na internet, mas ainda não conseguiu motivar os brasileiros a mudar de comportamento.


Ainda nos anos 1980, em razão da crise com as apólices tradicionais de RC, os Estados Unidos adotaram como solução as apólices híbridas (stand alone), que chegaram ao Brasil somente em 2004. Nessa apólice americana, as novidades foram muitas: a concessão de cobertura aos danos nas propriedades do segurado em razão da condição de poluição ambiental ocorrida, com a garantia, entre outras, da limpeza do local e até os lucros cessantes do segurado. A principal inovação foi a cobertura para os danos ambientais ou ecológicos puros, abrangendo os chamados direitos difusos ou metaindividuais.


Polido ressalta que essa apólice tem grande espectro de coberturas e pode abranger também as despesas de monitoramento dos locais que foram atingidos pelo acidente ambiental, os quais podem durar 20, 30 ou mais anos. “Não há no seguro específico de riscos ambientais qualquer tipo de cláusula de horas, limitando a garantia da apólice, diferentemente do que ocorre atualmente no seguro tradicional de RC brasileiro. O seguro ambiental específico, em face de seu leque de coberturas, não se assemelha a uma apólice clássica de RC e já constitui ramo autônomo em diferentes mercados”, disse.


Polido explicou que na apólice de seguro específico ambiental existe a garantia tanto para despesas de contenção dos sinistros, como para a defesa do segurado (que é ampla: administrativa, cível e criminal), podendo também ser contemplada a fiança ou caução judicial, dependendo da seguradora. “Nos Estados Unidos a cobertura para a constituição de fiança ou caução é automática, mas no Brasil essa solução foi 'tropicalizada', ou seja, a seguradora exclui a cobertura e oferece o seguro garantia judicial”, disse. Por isso, em se tratando de riscos de barragens e nas suas mais diversas aplicações (represamento de água; contentora de resíduos ou rejeitos), ele reitera a necessidade de especial cuidado na subscrição, mesmo em relação ao seguro específico ambiental, de modo que o termo "condição de poluição ambiental" seja o mais abrangente possível.


Responsabilização do empreendedor

Uma solução brasileira que tem dado resultado em controvérsias ambientais é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Segundo Polido, o Seguro Garantia para o TAC seria um instrumento eficaz, se fosse amplamente comercializado pelas seguradoras nacionais. Mas ainda não é. Depois do rompimento das barragens da Samarco e de Brumadinho, o estado de Minas Gerais aprovou a Lei 23.291, em 25 de fevereiro de 2019, a qual prevê o uso de caução ambiental para a obtenção da Licença Prévia no processo de licenciamento ambiental de barragens. O objetivo é garantir a recuperação socioambiental para casos de sinistros e para a desativação da barragem. “Um novo nicho para o seguro garantia, portanto, desde que os empreendedores estejam conformes em relação às medidas de prevenção de riscos. O seguro não seria um paliativo ao gerenciamento de risco adequado e necessário”.


A forte responsabilização do empreendedor também foi a solução encontrada pela União Europeia, especialmente a partir de 2004. Até então, segundo o especialista, os estados mantinham fundos que cobriam as despesas com danos ambientais. Com o escasseamento dos recursos financeiros, a legislação comunitária se tornou dura na imputação de responsabilidade ao poluidor individual, conforme a Diretiva 2004/35/CE. Na Espanha e nos demais países-membros, segundo ele, todo empreendedor é obrigado a apresentar uma garantia (seguro, fundo próprio ou aval bancário), em razão da mencionada Diretiva. O seguro ambiental não é obrigatório, mas apenas uma entre as opções de instrumentos econômicos.


Seguro obrigatório

A obrigatoriedade seria a alavanca para o seguro ambiental no país? Não necessariamente, segundo Polido. Ele cita o exemplo da Argentina, onde uma lei aprovada em 2002 obrigava a contratação de seguro ambiental. O resultado é que até hoje não foi emitida nenhuma apólice. Existe a tendência de o Brasil seguir pelo mesmo caminho. Tanto que o palestrante elencou pelo menos oito projetos de lei que tornam o seguro ambiental obrigatório, a maioria redigido logo após alguma tragédia ambiental.


Na leitura desses projetos, Polido detectou algumas “pérolas”, como, por exemplo, o argumento de que “se o DPVAT é obrigatório, então o seguro ambiental também deveria ser”. Mas, na sua opinião, o seguro obrigatório não tem funcionado adequadamente no país, sobretudo por sofrer rejeição da população. “A obrigatoriedade não vai alavancar o seguro, o qual tem deve ser facultativo”, disse. Mas, ele teme que mais dia menos dia um desses projetos seja aprovado. “Será ruim para a imagem do mercado de seguros, até porque as seguradoras não aceitarão os riscos só em razão da compulsoriedade do seguro”, disse. Seu entendimento é que não é essa a função do seguro, o qual não prescinde do gerenciamento de risco adequado, das medidas de proteção e segurança contra acidentes. "Seguro ambiental não pode ser convertido em licença para poluir", disse.


A boa notícia é que a oferta e a demanda do seguro ambiental específico vêm aumentando no país. Depois da AIG Seguros, que foi pioneira em 2004, outras seguradoras como ACE (atual Chubb), Excel, Liberty, Berkley e HDI já comercializam o produto. Outras entrantes também se preparam para iniciar em breve a comercialização.


Como mediador do debate, Paulo Leão de Moura Junior, chairman da THB Corretora de Resseguros, classificou a obrigatoriedade do gerenciamento de riscos para o segurado com uma obviedade. “No Brasil, poucos segurados adotam. Brumadinho é um exemplo típico, era um sinistro avisado e poderia ser evitado se a gestão de riscos existisse”, afirmou. Em sua avaliação, o corretor de seguros deve incorporar a gestão de riscos na sua prestação de serviços. “O corretor deve estimular o cliente a ter a gestão de riscos”, disse.


Fonte: Revista APTS Notícia (Ed: 134)


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