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Seguro automóvel perde mercado

Fim do ciclo de crescimento desafia seguradoras e corretores de seguros.


Por quase duas décadas até 2013 o seguro de automóvel cresceu impulsionado pela venda de veículos novos. A oferta de crédito fácil e a demanda reprimida levaram a uma sequência de nove anos seguidos de alta, que teve seu auge em 2012, com o recorde de 3,8 milhões de unidades vendidas. Mas, o boom nas vendas de veículos, no entanto, resultou em um alto nível de inadimplência e fez o mercado recuar. Em 2015, com o estouro da crise e o aumento do desemprego, a situação se agravou e as vendas caíram 26,5%, o maior tombo em 27 anos. No ano seguinte, a queda foi de 20,19%, acumulando uma retração de quase 50% em quatro anos. O seguro de automóvel acompanhou essa tendência e o ano de 2013 foi o último em que registrou crescimento de dois dígitos (18%). Em 2014, o crescimento foi de 9%; em 2015, 3%; e em 2016, apenas 2%.


No cenário futuro, os prognósticos para o mercado de veículos não indicam a recuperação. Com base nas fracas projeções de PIB para 2017 e 2018, respectivamente de 0,34% e de 2%, além dos reflexos negativos da crise política sobre a economia, um estudo do DMI Group prevê que o setor automotivo continuará pressionado, com expectativas modestas de recuperação de desempenho e de reversão da queda contínua nas vendas dos últimos anos. “Mesmo com o PIB do segmento automotivo crescendo historicamente sempre mais que o dobro que o PIB do país, o desempenho será fraco nos próximos períodos, em função de taxa de juros elevada, falta de crédito, ausência de estímulos ao consumo, endividamento das famílias e elevada taxa de desemprego”, avalia Vicente Koki, Analista-Chefe da DMI Group.


Embora a redução da venda de automóveis novos seja um fenômeno mundial, a rápida queda no Brasil nos últimos anos assustou o mercado de seguros. “Sabíamos que a estabilização nas vendas aconteceria um dia, mas um dia distante. O mercado se considerava blindado”, disse Murilo Riedel, presidente da HDI Seguros, no encontro realizado pelo Clube dos Corretores de Seguros de São Paulo, em agosto. Segundo Riedel, entre 2012 e 2015, o combined ratio do ramo se manteve próximo ou acima de 100%. Mas, no último ano, o índice atingiu 106%. “Significa que recebemos R$ 100 do nosso segurado e devolvemos R$ 106 em serviços e sinistros”. Para ele, a situação pode piorar se houver queda de juro, porque então as empresas não poderão mais equilibrar seus resultados com aplicações financeiras.


Novo perfil de mercado

Todos os fatores que levaram à queda na venda de veículos resultaram em uma nova tendência ainda mais impactante para o seguro de automóvel: o envelhecimento da frota nacional. Desde 2010, o percentual de veículos com até cinco anos diminuiu 4% ao ano. Essa tendência associada à redução do poder compra resultou na queda de penetração do seguro de automóvel de 36% em 2010 para 32% em 2016. Outra consequência do envelhecimento da frota é a vulnerabilidade à criminalidade. O roubo de veículos mais antigos alimenta o mercado de desmanche. Em São Paulo, esse tipo de crime foi responsável por 18,13% das ocorrências, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. Já no Rio de Janeiro, a escalada da violência gerou o aumento de 100% no roubo de veículos e de mais de 160% no valor do seguro de alguns modelos.


Mas, o declínio do seguro de automóvel não é resultado apenas dos efeitos da crise econômica. Também impactam a carteira outros diversos fatores relacionados ao avanço da tecnologia, como a criação de canais digitais de venda, a maior sensibilidade do consumidor ao preço, diante da facilidade de comparação, e o uso de tecnologias para a avaliação de riscos e prevenção de acidentes, além do carro autônomo. Todos esses fatores combinados com a preferência crescente da população por plataformas de transportes em detrimento do veículo próprio deverão transformar o seguro de automóvel no seguro de jornada ou de locomoção.


No artigo sobre “o fim do dinheiro” e a chegada das criptomoedas, que serão controladas por blockchain (rede de bloco virtual que agrupa diferentes registros de transação), os professores da ISAE/FGV – Escola de Negócios, Christian Geronasso e Patrick Silva, preveem grandes mudanças em modelos de negócio que exigem intermediação, inclusive o seguro de automóvel. “Poderemos consultar um blockchain, que possuirá todas as informações históricas, sem a necessidade de uma entidade intermediadora. Será possível, a partir de um smartphone, realizar a leitura de um QR Code que detalhará todas as vezes que o seguro de um automóvel foi acionado”.


Hoje, o seguro automóvel já representa uma pequena fatia no total do faturamento do setor, que é liderado por saúde e previdência. Para a grande maioria dos corretores, que ainda concentra sua produção no automóvel, as mudanças trarão impactos. Para o presidente do Sincor-SP Alexandre Camillo, o seguro automóvel está passando por uma fase de transição e o corretor deve começar a trabalhar com um portfólio maior de produtos. “O corretor de seguros que insistir em oferecer ao seu cliente apenas o seguro de automóvel realmente estará fadado ao insucesso”, adverte.


Esperança no auto popular

Considerando que a venda de veículos jamais voltará aos padrões anteriores, de quase 4 milhões de unidades ao ano, e que a taxa de penetração do seguro continuará caindo, Riedel avalia que não há como fugir do desafio de trabalhar com veículos mais velhos. Nesse aspecto, o seguro auto popular, que utiliza peças usadas no conserto de veículos, se apresenta ao setor como uma grande promessa, já que poderá conquistar a parte da frota nacional que não está segurada, em torno de 70%. O produto, que já é comercializado por duas seguradoras, oferece coberturas reduzidas a preços acessíveis para atingir um mercado alvo de 30 milhões de veículos com idade superior a cinco anos.


“Antes, porém, será preciso fazer um trabalho de desenvolvimento da cultura dos seguros, porque esse novo consumidor precisa entender o que está envolvido em um seguro popular”, diz o corretor de seguros Salvador Edison Jacintho, presidente da Comissão de Seguro Automóvel do Sincor-SP. Para ele, é necessário simplificar a linguagem do seguro e iniciar a comercialização em mercados-testes para que seja possível ajustar o produto antes da distribuição em larga escala. “Será preciso, ainda, implantar um processo de fiscalização eficiente em todas as fases do processo, desde a regularização dos desmanches até o rastreamento eficiente das peças”, diz.


A regulamentação da Lei 12.977/2014, a Lei do Desmonte, e a sua fiscalização por meio dos órgãos de estado, sobretudo os Detrans, é a saída para viabilizar o seguro auto popular, segundo o presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), Armando Vergílio dos Santos. “Os estados têm de regulamentar, fazer a parte deles, para que as empresas de desmonte possam existir e, consequentemente, a oferta das peças usadas, porém, com a garantia de estrutura e de procedência de que a peça não veio do furto”, diz.

Fonte: Revista APTS Notícias (ed. 127) - PDF |Online

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