
O ajuste que a Susep deverá promover na resolução do seguro auto popular resolve o principal entrave à comercialização, mas não elimina outras questões que trazem dúvidas ao setor.
É grande a expectativa do setor de seguros em torno do seguro auto popular. O motivo é o decréscimo nominal de 3,2% nos prêmios do seguro de automóvel no primeiro semestre do ano, como consequência da forte retração na indústria automobilística, que registrou queda de até 22,8% na produção de veículos. O foco da indústria de seguros são os veículos com mais de cinco anos de uso. Hoje, da frota de 42 milhões de veículos circulantes, entre carros, caminhões e ônibus, 37% possuem até cinco anos de uso, 30% têm idade entre seis e dez anos e 15% possuem entre 11 e 15 anos. Os veículos com mais de 20 anos estão na casa dos 5%.
Para romper a barreira da baixíssima penetração do seguro nos veículos com mais de cinco anos de uso (63% da frota), o mercado apostou todas as suas fichas no seguro auto popular. Abriu caminho para o mercado ampliar sua atuação no segmento de usados a Lei do Desmanche, sancionada pela Lei nº 12.977 em maio de 2014. A lei regulamentou os desmontes de carros, permitindo às oficinas credenciadas pelas seguradoras o uso de peças certificadas.
Mas, o setor ainda teve de esperar por quase dois anos para, enfim, obter a autorização para operar com o seguro auto popular. A Resolução do CNSP n° 336, de 31 de março de 2016, autorizou a comercialização do seguro popular de automóvel a partir de 1º de abril. Porém, nada aconteceu. Entre outros pontos da resolução, o setor identificou um que poderia comprometer toda a oferta do seguro. O artigo 11, para alguns o “coração da norma”, previa o uso de peças oriundas apenas de desmontagem de veículos.
“Ainda não existe volume de peças usadas disponíveis para atender às futuras demandas”, alertou o presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), João Francisco Borges da Costa, durante evento do setor realizado em maio. Em julho, no II Seminário Seg News “Seguro de Automóvel & Serviços – Perspectivas do mercado com o seguro auto popular”, Antonio Carlos Fiola Silva, presidente do Sindirepa, entidade representativa do setor de reparação de veículos, previu um cenário caótico. “Receio que a resolução do seguro auto popular faça aumentar o roubo de veículos”, disse.

Para Fiola, talvez, o país ainda não esteja preparado para fomentar a venda de peças usadas. A dificuldade seria controlar o uso dessas peças nas oficinas. “São mais de 500 modelos diferentes de veículos que rodam em 5,5 mil municípios. Para cada dez colisões frontais, existem duas traseiras; para cada dez portas do lado direito; duas ou três esquerdas são trocadas. Quando disser para o dono de oficina que pode colocar peça usada, como ele irá separar o joio do trigo?”, disse.
Segundo Fiola, o setor de reparação de veículos é pequeno e tende a reduzir. “Nos últimos cinco anos, a mão de obra nas oficinas caiu 30%”, disse. A redução da velocidade para 50 km por hora em algumas vias de São Paulo, por exemplo, aliada ao aumento de pontos na carteira de habilitação para o uso do celular ao volante, contribuiu para a diminuição de acidentes e também de serviço nas oficinas. “Está havendo um enxugamento do setor e muitas oficinas tentarão sobreviver a qualquer preço”, disse. “Quando for liberada a peça usada, a pergunta é: de onde virá?”, acrescentou.
Ajuste na resolução
Atendendo ao apelo do setor de seguros, em meados de julho, a Susep abriu consulta pública por dez dias para alterar o artigo 11 da Resolução do CNSP n° 336. A mudança, proposta na minuta de resolução, ampliou a possibilidade de utilização de peças de várias procedências, além das provenientes das empresas de desmontagem, que poderiam não ser suficientes para atender ao mercado. De acordo com a minuta, “a permissão do uso de peças oriundas de desmontagem não afasta a possibilidade de utilização de peças de reposição adequadas e novas”.
“Do jeito que estava, não ia funcionar”, observou o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Marcio Coriolano, que elogiou a Susep pela iniciativa de realizar consulta pública para mudar uma das questões que mais preocupavam o setor: a possibilidade de utilização de peças recondicionadas não originais. “Todas as seguradoras têm interesse em comercializar o seguro popular para veículos”, afirmou, acrescentando que esse produto poderá ajudar o mercado a enfrentar os efeitos do cenário atual, marcado pela queda na produção de veículos.
Outras reivindicações
A consulta pública da Susep para a mudança na Resolução n° 336 atendeu a principal reivindicação do setor de seguros, mas não todas. Outro ponto importante, segundo o presidente da FenSeg, se refere à garantia da livre escolha do consumidor na hora de procurar por uma rede que atenda os tipos de reparo. “O setor gostaria de estar pronto para ofertar uma rede credenciada, específica, treinada e capacitada, assim que o seguro for comercializado”, disse João Francisco Borges da Costa.

O consultor e advogado na TLM Consultoria, Thiago Leone Molena, comentou o assunto em sua participação no seminário da Agência Seg News. “Se a norma impõe ao segurador a obrigação de fiscalização das empresas de desmontagem que contratar, então tem de haver a possibilidade de gerenciar a oficina escolhida”, disse. Para ele, seria injusto exigir das seguradoras o poder fiscalizatório sobre algo que elas não têm gerência. “Não tenho reposta pronta, mas acho que é interessante o mercado trabalhar uma saída”, disse.
Questões a resolver
Molena levantou diversos questionamentos sobre a resolução, como, por exemplo, a aplicação da tabela FIP. “Um opala velho, de valor afetivo para o dono, será indenizado pela tabela FIP, valor referenciado ou valor de contrato?”, questionou. Outra questão, segundo ele, é a determinação para que todos os riscos sejam contratados a risco absoluto. “Se o seguro for insuficiente, como fica?”. O advogado tocou ainda no problema do envelhecimento da frota segurada. “Uma empresa que utiliza sua frota até o completo desgaste dos veículos pode fazer o seguro de seus carros velhos?”.
O artigo 7º da resolução, define que o seguro auto popular será contratado mediante emissão de apólice ou de bilhete, no caso de plano individual, ou de certificado individual, no caso de plano coletivo. “Comprei um carro popular para o meu filho, posso englobar no seguro de frota da minha empesa ou preciso fazer um certificado individual apenas para esse veículo?”. Segundo Molena, a norma não especifica casos como este. “A questão é saber se haverá uma apólice mestra com certificados diferentes”, disse.
Molena entende que o seguro auto popular cumpre sua função social ao promover a inclusão de riscos antes não aceitos, mediante a flexibilização na utilização de peças. Entretanto, observa que faltou a delimitação do público alvo e que, portanto, é acessível a todos os consumidores. “Se o proprietário de um carro zero quiser contratar pode?”. Caso haja recusa da seguradora, ele analisa que haverá um problema jurídico. O advogado lembrou que o Código de Defesa do Consumidor considera prática abusiva recusar a venda de bens ou serviços a quem se disponha a adquiri-los. “Ofertou, tem de contratar”, disse.
A Susep deverá alterar a resolução em relação ao uso de peças, mas não mudou o dever das seguradoras de transmitir informações claras aos clientes, frisando que devem ser “suficientes e destacadas acerca da procedência e da adequação do produto”. O advogado Molena considera este um dos pontos principais da resolução, porque envolve riscos jurídicos que precisam ser geridos. “Precisamos construir meios para que essas informações sejam corretamente transmitidas. A famosa defesa de seguradoras de que o produto está exposto no site pode ser rejeitada pelos juízes de localidades fora do eixo Rio-São Paulo”, advertiu.
Molena concluiu que o seguro auto popular deve ser encarado como um produto adicional ao mercado e voltado para um risco específico. “Ou seja, veículo com determinado tempo de uso e determinado índice de depreciação”, disse. Ele acrescentou que cabe às partes zelar pela qualidade e eficiência das informações por parte do consumidor. “As informações devem ser claras, objetivas, de fácil compreensão e redigidas previamente e em destaque na proposta e nas condições”, disse.
Dados do setor de reparação
Quantidade de oficinas independentes: 124.555
Número de empregos diretos e indiretos: 777.000
Faturamento: R$ 68,5 bilhões
Frota de veículos automotores (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus): 42.587.250
Frota de motocicletas: 13.638.643
Fonte: Revista APTS Notícias (edição n° 123)