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O protagonismo do seguro de Responsabilidade Civil

Lava-Jato, tragédia ambiental em Mariana e o vírus da zika são todos fatos contemporâneos que causaram impactos no seguro de Responsabilidade Civil.


O que têm em comum alguns acontecimentos recentes no país, como, por exemplo, a Operação Lava-Jato, a tragédia ambiental em Mariana (MG) e o vírus da zika? Além de terem concentrado os debates da opinião pública nos últimos meses, todos estão impactando o seguro de Responsabilidade Civil. Três especialistas convidados pela APTS analisaram essa correlação durante o Seminário “Crise no Seguro de Responsabilidade Civil: os reflexos de casos recentes no país", realizado dia 24 de fevereiro, no auditório da Escola Nacional de Seguros, em São Paulo.


Operação Lava-Jato

No caso da Operação Lava-Jato, que a cada dia produz novos capítulos na história da corrupção no país, a modalidade mais afetada de RC foi o D&O (Directors and Officers Liability Insurance). Este seguro, que protege executivos e gestores contra danos provocados por atos administrativos, sentiu o baque na sinistralidade, que subiu de 32,30% em 2013 para 53,50% em 2014. Por outro lado, as contratações aumentaram 49% apenas nos primeiros quatro meses do ano passado. “A Lava-Jato despertou a consciência de muitos diretores de empresas”, segundo Sergio Barroso de Mello, presidente do GNT de Responsabilidade Civil e Seguro da Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA) e sócio da Pellon & Associados.

O consenso é que a contratação aumentou porque alguns executivos perceberam que poderiam colocar seu patrimônio pessoal em risco. Conforme a legislação, os administradores de empresas respondem por culpa ou dolo no desempenho de suas funções perante a sociedade e terceiros prejudicados. Thabata Najdek, Underwriter Financial Lines na Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS), acrescenta que de dois anos para cá muitos corretores também aprenderam a usar o seguro. “Hoje, quando o cliente é notificado pelo terceiro sobre o prejuízo já avisa a seguradora. Até dois anos atrás, era comum avisar apenas quando o caso seguia para o Judiciário e, então, havia a perda da cobertura”, explica.


Mesmo assim, Sergio Mello considera que ainda há muito desconhecimento dos executivos em relação aos riscos a que estão expostos. Entre as situações que podem causar danos à empresa e responsabilizar o gestor, ele cita desde uma decisão trabalhista equivocada até uma decisão tributária, caso do não recolhimento de tributos. “No dia a dia, uma série de decisões pode afetar sócios e sociedade. Essa é uma mola que impulsiona a venda de D&O, além dos próprios sinistros”, diz.


Thabata Najdek explica que a cobertura de D&O é muito atrelada ao risco jurídico do administrador e que, por isso, a apólice é all risks. Na prática, porém, a cobertura mais utilizada, tanto no Brasil como em outros países, é a acessória de custos de defesa, que concentra a maior parte das indenizações. Por causa da morosidade da Justiça, algumas ações demoram de três a quatro anos para serem julgadas e, em muitos casos, os administradores até são absolvidos, mas precisam do adiantamento de indenização para pagar advogados.


Além da estimativa de sinistralidade elevada em 2015 – por enquanto os dados não foram fechados -, o mercado de seguros está preocupado com eventuais prejuízos causados pela operação de D&O. Ocorre que a cobertura de custos de defesa vem sendo bastante utilizada pela maioria dos executivos de empreiteiras denunciados pela Lava-Jato, em valores individuais de indenização que parte de R$ 1 milhão. Entretanto, essa cobertura é suspensa nos casos em que o segurado faça acordo de delação premiada ou de leniência. Isso porque estará admitindo a má-fé, que é a antítese da boa-fé do seguro.


Nos últimos debates que participou, Thabata Najdek conta que tem ouvido críticas ao D&O relacionadas ao pagamento de indenizações a segurados envolvidos em denúncias de corrupção. Mas, mantendo a sua posição contratualista, ela ressalta que na apólice de D&O o reembolso dos custos de defesa é feito até o trânsito em julgado da decisão. “Não posso dizer que o segurado cometeu um ato doloso apenas com base nas notícias de jornais e revistas. Caso a decisão judicial atribua a prática de um crime doloso ao segurado, ele perderá a cobertura e terá de devolver todos os valores adiantados pela seguradora”, diz.


“Portanto, enquanto não houver a confissão e o trânsito em julgado, nada podemos fazer. Está no contrato e temos de pagar”, diz. Mas, a esta altura, os altos valores dos custos de defesa adiantados pelas seguradoras, talvez, não possam ser ressarcidos se o patrimônio do segurado estiver comprometido. “Esta é uma situação muito difícil e todos nós temos duvidas sobre como recuperar esses valores”, diz Sergio Mello. “Tem muita gente do mercado preocupada, mas esse é o risco do negócio”, acrescentou.


Thabata Najdek registra que a contratação de D&O está sim mais restritiva e os preços mais elevados, porém, apenas para as empresas que apresentem risco de corrupção. “O mercado não é hard para todos, só para algumas empresas, sobretudo as públicas. Para as demais, as taxas não aumentaram e ainda estamos num mercado soft”, diz.


RC Ambiental e o subseguro

O desastre ambiental em Mariana foi outro acontecimento recente que afetou o seguro de RC. Não em virtude da sinistralidade, já que, segundo informações divulgadas pela imprensa, a cobertura de RC Ambiental da mineradora responsável pela barragem que provocou o acidente não passa de R$ 80 milhões. Mas, justamente por esse valor ser muito aquém do montante dos prejuízos causados, que podem ultrapassar bilhões de reais, uma questão inconveniente veio à tona: a do subseguro.


Para Sergio Mello, o caso não apenas evidencia que o risco ambiental foi subdimensionado, como, também, acende o alerta para todos os seguros contratados por empresas com potencial de danos ambientais. “É preciso avaliar o risco real com extremo cuidado, especialmente o ambiental, para mostrar ao segurado as suas vulnerabilidades e as coberturas disponíveis em termos de responsabilidade civil. A contratação de seguros de RC como subproduto ou em valores fora da realidade do risco deve ser evitada, exatamente para que não aconteça o mesmo que ocorreu com o sinistro em Mariana”, diz.


Falta de capacidade de resseguro não existe, segundo Sergio Mello. O problema, a seu ver, é a falta de dimensionamento adequado da responsabilidade. “Existe uma enorme quantidade de empresas operando com risco subdimensionado”, afirma. Em sua opinião, estão ocorrendo erros nas contratações de seguros e não apenas em RC Ambiental. “Isso é gravíssimo, porque a legislação e a jurisprudência são muito firmes em relação a danos”, diz.

Nesse sentido, ele alerta sobre a necessidade de sofisticação na avaliação do risco. “Precisamos de profissionais preparados para ir ao risco, examiná-lo adequadamente e apresentar seus estudos ao cliente. Se ele vai aceitar ou não, é outra questão. Mas o setor não pode deixar de apresentar um panorama correto ao cliente do que é o seu risco”, diz. Também é importante, ao longo da negociação, estabelecer uma forma de gerenciamento do risco para que não seja preciso reduzir a cobertura. A seu ver, a consequência desse processo será a possibilidade de vender produtos de seguros para riscos que o segurado desconhecia, gerando prêmios novos para o mercado.


De acordo com dados da Susep, o RC Ambiental cresceu 134% em prêmios entre 2011 e 2015. Em 2015, o índice médio de sinistralidade foi de 54% contra 37% em 2014. Para Sergio Mello, o desastre em Mariana “vitaminou” o RC Ambiental, mas ele não ignora o fato de que existem muitas empresas, capazes de causar graves danos ambientais, subseguradas. “É inconcebível. E não adianta vender um produto multirrisco acoplado a uma cobertura ambiental com uma verba pequenininha. Isso não resolve”, diz. Em sua opinião, este é mais um motivo concreto para alavancar o seguro ambiental.


O zika e o RC

Sergio Mello relacionou o vírus da zika à responsabilidade civil na área médica, tanto de estabelecimentos de saúde, como de profissionais. Segundo ele, existe forte expectativa no mercado em relação ao aumento de sinistros na modalidade E&O (Erros e Omissões) de profissionais. Mas não por causa do vírus, e sim pelo natural aumento de responsabilidade dos profissionais médicos. “A comunidade cientifica conhece pouco sobre o vírus zika. Se as doenças causadas pelo vírus evoluírem, podem gerar diagnósticos errados na área medica e até levar ao óbito, criando danos médicos de forma catastrófica. Como ficam os seguradores da carteira de RC médico?”.


Na visão do advogado, essa situação abre oportunidades comerciais para aumentar o número de segurados em E&O. Por outro lado, a especialista convidada do evento Thalita de Fátima Barbato Graciolli, gerente de Sinistro da Zênite Assessoria e Consultoria, chama a atenção para a complexidade da contratação do seguro de RC. Na modalidade de RC dos estabelecimentos e profissionais da área médica, ela tem observado o aumento da demanda na contratação, porém, em muitos casos com uma concepção errônea do objeto do seguro.

Thalita destaca a falta de conhecimento do segurado sobre o seguro. Ela frisou que o RC Profissional cobre o dever de pessoa física ou jurídica de indenizar a terceiros, em função do exercício da profissão por si ou por meio de outros, que resulte em perdas ou danos à vítima (paciente ou consumidor). “O RC Profissional não é um seguro de defesa, embora possua esta cobertura. Também há cobertura para dano moral, pessoal, danos a terceiros etc.”, orientou. Um dos maiores equívocos de médicos, segundo ela, “é pensar que o seguro é uma espécie de poupança e que basta ser acionado na Justiça para a seguradora realizar a indenização”.


O que precisa ser esclarecido ao cliente, no momento da venda, segundo Thalita, é que o RC Profissional é um seguro a base de reclamação, que tem vigência definida e que requer a apuração do dano e comprovação de culpa do profissional. “Esses erros de comunicação criam a máxima de que o seguro não paga. Isso dentro de um cenário de crise, pode se complicar no futuro”, diz. Não raro, segundo ela, o médico deseja uma apólice de RC Profissional, mas não sabe quais são seus riscos. “Se o consultório for acionado e não tiver cobertura, não haverá indenização. Por isso, tem seguro que é eficiente, mas não é eficaz”, diz.


Ao contrário do D&O, o RC Profissional e de Estabelecimentos não tem severidade, mas tem frequência. “Em 99% dos casos, o paciente processa o médico e o hospital. Apesar de a apólice do hospital prever a cobertura de custos de defesa, o juiz definirá que a responsabilidade é solidária, 50% de cada. O paciente poderá, então requerer 100% da indenização ao hospital, que pagará o valor integral, mas terá o direito de regresso contra o médico, exigindo os outros 50%”, diz. Daí porque, Thalita ressalta que o hospital deve disseminar internamente a cultura do seguro, orientando os médicos a também contratarem uma apólice.

Homenagens

No encerramento do seminário, o presidente da APTS, Osmar Bertacini, e o secretário, Evaldir Barboza de Paula, homenagearam cada palestrante com uma placa. “Além de o seguro de RC ser tema empolgante, este evento atende à finalidade da APTS de fortalecer a técnica de seguros”, diz Bertacini.



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