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Microsseguro ainda precisa de ajustes


Evento trouxe ao debate os caminhos que esse tipo de seguro deve seguir no Brasil, a partir do uso adequado de canais de distribuição e de ações de educação financeira.


A estabilização econômica e a ascensão social de milhares de brasileiros fizeram o mercado de seguros vislumbrar a possibilidade de conquistar cerca de 100 milhões de novos consumidores das classes C, D e E, com a oferta de produtos simples e de baixo custo. Mas, o microsseguro, a grande aposta de expansão do setor,ainda não alcançou seu objetivo. Hoje, três anos depois da regulamentação, o mercado já admite aprimorar o microsseguro e partir para iniciativas de médio e longo prazo, como investimentos em tecnologias (para a venda por meios remotos) e educação financeira da população (para formar público-alvo). Mas, o fraco desempenho da economia pode prejudicar esses planos.

Foram dez anos de preparação intensa do mercado de seguros para atuar no microsseguro, segundo Adevaldo Calegari, mentor do Clube dos Corretores de Seguros de São Paulo (CCS-SP) e diretor de Microsseguros da APTS. Ele coordenou o evento “Microsseguros: uma visão atualizada no Brasil e no mundo”, promovido pela APTS e Academia Nacional de Seguros e Previdência (ANSP), dia 29 de abril, no auditório do Sindicato das Seguradoras de São Paulo (Sindseg-SP).

Calegari fez um breve relato das decisões da Susep sobre a matéria, entre 2004 e 2008, destacando dois fatos importantes. O primeiro foi o Grupo de Trabalho de Microsseguros constituído no âmbito da autarquia, em junho de 2008, com o objetivo de estudar o tema, assessorar e secretariar os trabalhos da Comissão Consultiva, criada dois meses antes pelo CNSP. O segundo episódio foram os workshops sobre microsseguros, realizados em 2009, um no Rio de Janeiro (RJ) e outro em Brasília (DF).

Ele se recorda de sua participação, entre 2004 e 2014, nas comissões e grupos de estudos sobre microsseguros. Segundo Calegari, o resultado do trabalho está condensado em relatório de quase 3 mil páginas, que inclui, ainda, o relato da experiência de outros mercados visitados por comitivas brasileiras. Nesse ínterim, o setor aprovou diversos normativos para operacionalização do seguro, concluindo a regulamentação em 2012.

“Acreditava que a partir da oficialização, esse segmento pudesse atender mais de 100 milhões de pessoas. Mas foi uma decepção”, diz Calegari. Ele não entende por que o governo não prioriza o microsseguro como solução para proteger populações mais vulneráveis a catástrofes naturais, como a que ocorreu em Xanxerê (SC). A seu ver, o microsseguro seria alternativa para o desenvolvimento econômico e financeiro, além de diminuir a pobreza e tornar a sociedade mais inclusiva “Isso bastaria para que o governo observasse o setor de seguros de outro modo, como solucionador”, diz.


“Metade do caminho”

Bento Zanzini, diretor do Grupo Segurador BB Mapfre, também pensa que há espaço para melhorias. “É inequívoca a necessidade de proteção securitária da população de mais baixa renda e da nova classe média emergente”, diz. Porém, considera que esse papel social não pertence apenas ao microsseguro, mas também aos demais ramos de seguros.

Ele citou o exemplo da Mapfre, na qual atua, relatando que a seguradora deslocou uma equipe atender seus segurados de Xanxerê (SC), cidade atingida por um tornado em meados de abril. “A equipe chegou com o talão de cheque na mão. O mercado de seguros age assim, inclusive porque essa é sua obrigação. Apenas não divulgamos”, diz.

Segundo o executivo, uma pesquisa recente da seguradora detectou um grande mercado a ser explorado pelo seguro e não apenas na faixa de menor renda. Em 2100 entrevistas realizadas pelo Datafolha em março último, 82% afirmaram não ter apólice de seguro. O levantamento constatou, ainda, que o seguro tem maior penetração nas classes mais favorecidas. Daí porque sugere o esforço coletivo do mercado em ações de educação financeira voltadas à população.

Em sua percepção, o microsseguro já chegou à metade do caminho, mas ainda precisa superar muitos desafios, um dos quais relacionado à própria concepção do produto. Bento Zanzini citou um estudo do EA Consultants feito para a CNseg, com o apoio da Microinsurance Innovation Facility, da OIT, que utilizou uma ferramenta (PACE) para avaliar a percepção de consumidores em relação aos produtos de microsseguro.

A pesquisa levou em conta quatro elementos - produto, experiência, acesso e custo –, concluindo, a princípio, que o Brasil não dispunha de microsseguros, mas de seguros massivos de baixa renda. Outra conclusão foi que a nova regulação de microsseguro procurou facilitar o acesso com apólices simplificadas, canais de distribuição amplos e limitações de capital menores. Já em relação ao custo, a pesquisa detectou que o valor para o cliente é médio, mas os seguros massivos têm o mérito de conscientizar o mercado. Por fim, o estudo recomendou às seguradoras e corretores que inovem em canais para aprimorar o valor de seguros massivos e microsseguros de forma responsável.

Na visão de bento Zanzini, não faltam produtos, mas canais. No cômputo geral, o executivo pondera que há iniciativas importantes no mercado brasileiro, porém, ainda “embrionárias”. Ele mencionou a experiência satisfatória das vending machines, utilizadas pelo Grupo BB e Mapfre para a oferta de produtos de seguros. De acordo com o executivo, em três meses de funcionamento as máquinas geraram mais negócios do que, por exemplo, um corretor individual alcançaria no mesmo período. “O segredo está no canal de distribuição”, opina.

Porém, ele descarta a possibilidade de os corretores se interessarem pela venda direta de produtos de baixo tíquete. “O papel do corretor é outro, é encontrar canais”, diz. Entre os principais desafios do microsseguro, destaca a falta de cultura do seguro do consumidor e o alcance dos modelos de distribuição.

Para ele, as regulamentações trouxeram um viés protecionista em relação ao consumidor de baixa renda, que é considerado hipossuficiente, além de se ocuparem em diferenciar os seguros tradicionais dos microsseguros. Mas não serão apenas as regras, a seu ver, que farão o microsseguro deslanchar. “O desenvolvimento do mercado dependerá da educação e da continuidade do crescimento do país”, conclui.


Educação financeira

Em 2014, os prêmios de microsseguros em países da Ásia, África e América Latina superaram 100 milhões de euros. Para a advogada Ana Rita Petraroli, coordenadora da cátedra de Microsseguros da ANSP, esse resultado, que foi comemorado na 10ª Conferência Internacional de Microsseguros, realizada em novembro do último ano, na Cidade do México, pode transmitir a impressão de que o segmento é lucrativo. “Mas não é”, diz. Segundo ela, comparado aos resultados globais do mercado de seguros, esse faturamento representa quase nada, ainda que tenha crescido 32% no ano passado.

Porém, a advogada ressalta que em outros mercados o microsseguro já deixou de ser visto como uma promessa de lucratividade. “Lá fora, as empresas vêem o microsseguro como um dever social”, diz. A questão, segundo a advogada, é que o perfil do consumidor de microsseguros de outros países não é o mesmo do Brasil, a começar pelo nível renda.

Um estudo realizado em 2007 estimou um público-alvo de 2,7 bilhões de pessoas potenciais consumidoras de microsseguros em todo o mundo, com renda diária entre US$ 1,25 e US$ 4, o que resultaria em prêmios da ordem de US$ 40 bilhões. “Ouso dizer que no Brasil nenhum consumidor se enquadra nessa faixa de renda. Por isso, não acredito mais nesses números”, diz.

Sua opinião coincide com os resultados de uma pesquisa vivencial realizada em comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que apontou o baixo valor da indenização como principal motivo de rejeição ao microsseguro. Por isso, ela avalia que o mercado deveria ter estudado melhor seu público-alvo. “Pensamos que o consumidor de baixa renda acharia o máximo ter algo que ainda não tinha. Mas, ele se sentiu ofendido”, disse, referindo-se ao valor de indenização oferecido pelo microsseguro.

Segundo Ana Rita, diferentemente do Brasil, em outros países o microsseguro nasceu atrelado ao microcrédito. “Esquecemos de algo que o mercado financeiro pratica há mais tempo: a educação financeira”, disse. Para incluir as classes menos favorecidas no sistema financeiro, ela considera fundamental investir em educação financeira. “Daria a elas autonomia e condições de tomar as melhores decisões possíveis”, afirmou.

Um dos grandes benefícios trazidos pela regulamentação do microsseguro, na visão de Ana Rita, foi a possibilidade de venda por meios remotos. “A tecnologia tem o potencial de ajudar a atender vários desafios importantes na oferta de microsseguro, ou seja, melhorar a acessibilidade, alcançar clientes, especialmente em áreas remotas, cobrar prêmios pequenos e pagar sinistros válidos”, diz.

Mas adverte que a tecnologia também traz riscos. Por isso, orienta que os investimentos devem vir acompanhados da padronização de dados, conectividade compatível com o público consumidor, capital humano etc. “É importante saber quais são os problemas que precisam ser resolvidos e então analisar se a tecnologia é uma boa escolha”, diz.


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