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Falta de informação afeta seguro de automóvel


Perda do direito à indenização, ações na Justiça e dificuldade de ressarcimento contra o terceiro causador do dano; estas são algumas das consequências da falta de informação do segurado.


“Na medida em que o segurado não entende o produto que está comprando aumentam as chances de reclamar na justiça, às vezes até por situações que não tem direito”, disse a diretora de Novos Projetos da APTS, Maria Helena Gurgel Prado. Ela coordenou o Debate Bom-Dia “Consumidor e Ressarcimento: o equilíbrio do seguro de Automóvel”, realizado no dia 26 de novembro, na sede da APTS. Dois debatedores participaram do evento: Fernando Martins Chaves, que atua nas áreas de ressarcimento e jurídica da Alfa Seguradora, e Darli Polvani Bechara, responsável pela equipe de ressarcimento da HDI Seguros.


Helena Prado abriu o evento com o relato do episódio que marcou o nascimento do seguro de automóvel no mundo, em 1898. “O Dr. Truman J. Martin foi a Travellers Insurance de New York e contratou o primeiro seguro de automóvel para o seu carro a vapor, preocupado em colidir com um cavalo ou carruagem”. Ela destacou, em seguida que, hoje, 116 anos depois, ainda existem questões que suscitam dúvidas no seguro de automóvel. “A consequência é o aumento do custo interno das seguradoras para defesas, agravando o resultado da carteira”, acrescentou.


O problema


Se os consumidores fossem mais bem informados sobre os seus seguros, não haveria tantas ações na Justiça contra seguradoras. Esta é a opinião do advogado Fernando Martins Chaves, responsável pelo setor de ressarcimento e pelo suporte jurídico na Alfa Seguradora. Ele, que está cursando especialização em direito do consumidor, tem uma visão clara do problema. “Falta de informação gera demanda judicial e dificulta a venda de seguros”, disse.


Para Fernando Chaves, o problema começa pelo entendimento de alguns juízes, que ainda consideram o direito à indenização como intrínseco ao pagamento do prêmio. Até porque era este o conceito aplicado pelo Código Civil de 1916, cuja vigência durou quase um século. Já o Código Civil atual aprimorou esse conceito ao estabelecer no artigo 757 que: “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.


Para o advogado, o termo “predeterminados” representa uma mudança importante, pois, significa que o segurador estipula os riscos que pretende cobrir. Já o segurado, por sua vez, adere ao contrato. Outra mudança importante foi a menção ao “interesse legítimo”, que, a seu ver, “quebra” a sinalagma, ou dever mutuo, de que apenas pagar o prêmio é o suficiente para ter direito à indenização. “Precisa haver o interesse legítimo”, reforçou. Apesar das mudanças na legislação, a base do seguro não mudou. “Continua intacta, com risco, mutualidade e boa-fé”, disse.


Demandas judiciais

Uma das principais causas de demandas judiciais no seguro automóvel, segundo Fernando Chaves, é a falta de entendimento do segurado sobre a diferença entre valor de mercado referenciado e valor determinado na apólice. Ele explicou que o primeiro é decorrente da valorização do automóvel e seu reflexo no prêmio. Já o valor da apólice é o montante que será pago ao segurado em caso de sinistro.

O Ministério Público levou essa questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando a declaração de inexistência ou de abusividade da cláusula de valor de mercado referenciado. A conclusão do STJ foi pela legalidade da cláusula, por entender que era vantajoso para o consumidor ter mais essa opção de contratação.

Outra situação, também geradora de conflitos, é a dos segurados que ignoram determinadas atitudes que podem resultar em agravamento de risco. Caso, por exemplo, de acidentes provocados por condutores inabilitados ao volante, em que o segurado entende ter pleno direito de pedir indenização.


Fernando Chaves citou, ainda, o exemplo do segurado que decide fazer um pacto com o terceiro prejudicado por acidente para o conserto do veículo, mas sem comunicar à seguradora. Segundo ele, casos como esse majoram o dano e trazem prejuízo para a seguradora. Inclusive o segurado, notadamente por ignorar seus direitos, não usufruiu de benefícios que o seguro lhe garante, como, por exemplo, o auxílio técnico e jurídico para a sua defesa, se vier a ser acionado na Justiça. “São benefícios que, às vezes, não chegam ao consumidor”, disse.


No âmbito do Judiciário, a falta de informação sobre seguro também produz equívocos, como confundir cláusula abusiva com cláusula limitadora de risco. Esta última está explicita no artigo 757 do Código Civil, que trata do conceito de “predeterminado” e, ainda, no artigo 760, que menciona “os riscos assumidos”. O próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) se refere à limitação do risco, exigindo apenas que o termo seja destacado no contrato. Para ele, sem a distinção entre as cláusulas, a seguradora assumiria riscos que inviabilizariam a comercialização do seguro.

Controvérsias

Embora o seguro perfil não seja novidade, muitos segurados não sabem que o descumprimento de algumas regras pode levar à perda de direito à indenização. Nesse sentido, o Código Civil define que a perda ocorre em caso de omissão de informação ou declaração inexata de situações que possam influir na alteração da proposta ou taxa do prêmio. O exemplo clássico é o do segurado que declara guardar o veículo na garagem, mas, na verdade, o estaciona na rua. Entretanto, Fernando Chaves esclarece que a perda do direito apenas será aplicada se houver o nexo de causalidade entre a declaração inexata e a ocorrência do sinistro.

Não menos polêmico é o acidente provocado por motorista em estado de embriaguez. A começar pela dificuldade que a seguradora tem de obter a prova, seja pela falta de ferramentas adequadas ou pela recusa do motorista em fazer o teste, o que é lícito. Também dificulta a posição contrária do STJ. Os julgadores questionam se o acidente aconteceria caso o motorista não estivesse embriagado. “A meu ver, isso é uma afronta, um retrocesso. A maioria dos países desenvolvidos trata a embriaguez com rigidez”, disse.

Outra questão controversa é a possibilidade de ingresso de ação direta de terceiro contra o segurador, para pleitear o recebimento da indenização do seguro de RCF. Segundo Fernando Chaves, a questão gerou polêmica no próprio STJ, que acabou concluindo, em julgamento dos Recursos Repetitivos de Controvérsia, pela impossibilidade de ação direta do terceiro. “O argumento utilizado foi o de que a cláusula de RCF para atender o terceiro não é estipulada em favor da vítima, mas do segurado”, disse.


A prescrição foi a última questão trazida pelo debatedor. A grande polêmica, segundo ele, é a contagem do prazo, que no Código Civil é de um ano, mas no CDC, de cinco anos. Para o advogado, o mais razoável é aplicar o prazo do Código Civil, que é mais específico. Já o prazo prescricional do CDC, deve ser aplicado somente em relação a defeitos, de produtos e serviços.


Como a contagem do prazo se a inicia a partir do momento em que o segurado tem ciência do sinistro, a maioria das seguradoras opta por carta registrada para comunicar a negativa de indenização. “Se a seguradora não responder de forma inequívoca, o prazo prescricional estará suspenso e o segurado poderá acioná-la anos depois”, explicou. Fernando Chaves concluiu que as seguradoras precisam investir em maneiras de informar o consumidor. “Se o consumidor não for atingido pela informação, teremos um cenário árduo para trabalhar e continuar avançando”, disse.

O difícil ressarcimento

Responsável, atualmente, pela equipe de ressarcimento da HDI Seguros, a advogada Darli Polvani Bechara reconhece que, apesar da importância do ressarcimento para seguradoras, nem todas priorizam essa operação. “Mas, estamos tentando mudar isso”, disse. As mudanças começaram, segundo ela, a partir de 2009, com a criação do grupo de Ressarcimento junto à FenSeg. Até então, poucas seguradoras buscavam o ressarcimento e, geralmente, por meio de acordo de reciprocidade com congêneres. “O grupo foi uma grande evolução”, disse.

Darli conta que o grupo já produziu resultados, como é o caso do manual de ressarcimento, que orienta sobre os procedimentos para agilizar a operação. Outra iniciativa foi a criação de um sistema de controle dos protocolos, prazos e regulação dos processos de ressarcimento entre as congêneres. Segundo ela, entre as seguradoras do grupo vigora o princípio da reciprocidade e da confiança. “Todas têm o mesmo interesse. Então, se faço bem minha regulação, acredito que meu colega faça o mesmo”, disse.



Leia a matéria completa na Revista APTS Notícias - edição 114

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