O processo de gerenciamento de riscos praticado pelo mercado de seguros está correto, mas, incompleto. Organizações possuem outros riscos, que precisam ser identificados e tratados.
Mesmo com toda evolução alcançada pelo gerenciamento de riscos no Brasil, acelerada após a abertura do mercado de resseguros, o processo aplicado pelo mercado de seguros ainda mantém o enfoque nos riscos puros, acidentais, ligados a patrimônio, responsabilidade civil, transportes, pessoas etc. “Existem outros tantos riscos que não são tratados pelo mercado segurador, mas que são importantes para as organizações”, avalia Luiz Macoto Sakamoto, profissional com ampla experiência em subscrição e gerenciamento de riscos. Ele esteve na APTS, no dia 11 de junho, para apresentar a Palestra do Meio-Dia “Processo de Gerenciamento de Riscos”, com o propósito de estimular a reflexão sobre o tema.
Riscos da organização
Segundo Macoto, a operação de transferência de riscos do segurado para a seguradora, ou da seguradora para a resseguradora deve ser entendida como “a transferência da potencial variação dos resultados esperados”. No caso da operação de resseguro, os resultados que se esperam da seguradora podem variar, por exemplo, em função da ocorrência de um evento catastrófico, ou por falta de expertise, ou, ainda, falta de capital para suportar as operações da companhia, entre outros motivos.
Normalmente se tem em mente que essa potencial variação dos resultados esperados refere-se somente a aspectos financeiros. Mas essa não é a única visão do processo. No caso de uma empresa filantrópica ou fornecedora de serviços públicos, por exemplo, o gerenciamento de risco não deve se restringir apenas à redução de perdas financeiras, mas também focar na continuidade da atividade ou do serviço. Daí porque, ele orienta sobre a necessidade de clareza em relação aos objetivos da empresa.
O risco acidental, foco do gerenciamento de riscos praticado pelo mercado de seguros, é apenas um dos riscos no rol de uma organização. O conjunto de riscos, Macoto dividiu em dois grupos: riscos da operação, que estão sob controle da organização, e riscos de mercado, que estão fora do controle direto da organização.
No primeiro grupo, além do risco acidental, completam a lista os riscos de negócio, financeiro (de não conseguir pagar as obrigações financeiras), operacional (da operação da organização, como as falhas de sistemas, os riscos cibernéticos e outros), de crédito e de perda da reputação (risco de imagem). No segundo grupo, dos riscos de mercado, estão os riscos de taxa de juros, taxa de câmbio, preço de commodities e risco político. Estes, embora estejam fora do controle da organização, devem ser tratados e mitigados.
Gerência de riscos passo a passo
Macoto apresentou o modelo clássico do processo de gerência de riscos em cinco passos e mais um. Este último representando o retorno ao primeiro passo, estabelecendo um “processo cíclico com retroalimentação”. O processo começa pela “Identificação e análise das exposições a perdas”, nos moldes do que define a ABNT. Segundo ele, é neste primeiro passo que “o pessoal fura”.
Ele se recorda da palestra de um especialista em eventos climáticos, cinco anos atrás, que alertava a indústria sobre o risco da falta de água. “Percebi que poucos empresários se interessaram pelo tema. Aliás, se o governador de São Paulo tivesse assistido àquela palestra, talvez, a situação de falta d’água não chegasse ao ponto em que está”, disse. Macoto destacou que a identificação envolve o tipo de exposição à perda. Já a análise, leva em conta a frequência e severidade, mas de acordo os objetivos da organização.
O passo dois é o “Exame da viabilidade de técnicas disponíveis”, que se divide em Controle de riscos (Loss control – no sentido de evitar ou diminuir perdas) e Financiamento de riscos (Risk financing – no sentido de pagar as perdas). O Controle de riscos foi subdividido por ele em seis etapas: eliminação das exposições, prevenção de riscos (Loss prevention), redução de perdas (Loss reduction), segregação por separação, segregação por duplicação e transferência contratual (do controle de riscos).
Embora a eliminação das exposições seja uma “técnica ótima”, na visão de Macoto, apenas poderá ser utilizada em situações extremas. “Porque depois dela, não se faz mais nada”, explica. Já a segregação por separação é semelhante ao plano de contingência, que algumas empresas adotam, por exemplo, ao manterem duas linhas de produção. “Se uma for perdida, a produção será menos comprometida”, disse.
A segregação por duplicação segue conceito semelhante e está mais presente na área de TI, basicamente, por meio de backup. Já a transferência contratual pode ocorrer, por exemplo, no caso de uma obra de engenharia, em que o investidor apenas financia sob a condição de não assumir qualquer risco. “É diferente da transferência de risco, em que existe a obrigação de pagar”, disse.
Ainda no passo dois (Exame da viabilidade de técnicas disponíveis), Macoto explicou que o controle de riscos, pelo qual se evita ou diminui a exposição, é diferente do financiamento, em que “alguém paga”. Ele disse que insiste nessa diferenciação porque, geralmente, os programas de gerenciamento de riscos combinam duas ou mais técnicas.
Já o financiamento de riscos, Macoto dividiu em “retenção” e “transferência”. No caso da retenção, subdividiu em cinco possibilidades: despesas, reservas sem fundos, reserva com fundos, empréstimos e seguradora cativa. “Uma frota poderá constituir uma reserva com fundos para custear os pneus furados dos veículos, como uma espécie de caixinha, ou recorrer a empréstimo, ou, ainda, obter uma linha de crédito no banco”, explicou.
No caso da transferência, as opções são duas: contratual (obrigação de pagar) e o seguro. Utilizando o mesmo exemplo da obra de engenharia, ele informou que na primeira opção se trata da transferência do controle do risco, danos materiais e danos ao prédio, entre outros, por meio de contrato.
O passo três é a “Escolha da técnica ou técnicas a serem aplicadas”, utilizando o critério de seleção financeira ou outro relacionado aos objetivos da organização. Geralmente, o critério escolhido é o financeiro. Situações particulares são exceções, como no caso de entidades filantrópicas, em que o objetivo da organização é a continuidade dos serviços assistenciais.
A “Implantação do programa de gerência de riscos” ocorre no passo quatro, que envolve dois tipos de decisões: técnicas e gerenciais. As técnicas estão ligadas ao controle e ao financiamento de riscos. As decisões gerenciais se relacionam ao apoio e consultoria nos processos de tomada de decisão de outras unidades gerenciais da organização. Sobre esta última, ele explicou que áreas diferentes podem ter metas individuais, as quais podem não coincidir com o objetivo geral da organização. Haverá, então, a necessidade de interferência gerencial no processo.
O quinto passo é o “Monitoramento e melhoria do programa”, que envolve os propósitos e o controle do programa de gerência de riscos. Por fim, o último passo é o “Retorno ao passo um”, que transforma em cíclico todo o programa com a retroalimentação.
Encerrando sua palestra, Macoto comentou que “existem diversas áreas de atuação que tratam de partes do processo, sem a visão de integração com o todo”. Sua apresentação foi desenvolvida com base em pesquisas e na situação atual da atividade de gerência de riscos. “Fiz uma mistura e espero ter contribuído para a reflexão sobre o assunto”, disse.
Opinião da plateia
“A palestra muito construtiva porque mostrou outro lado do gerenciamento de riscos, que é importante também para repassarmos ao segurado, mostrando como aplicar o processo. Empresas grandes, talvez, não tenham essa necessidade, mas as empresas pequenas têm e precisam de orientação. O corretor pode dar esse Norte às empresas”.
Karem Trevizan – Trevizan & Associados Corretores de Seguros
“A abordagem do Macoto foi perfeita ao considerar a existência de um número muito maior de riscos, além daqueles que, normalmente, são levados em conta nas operações de seguros. Sob a ótica das organizações seguradas, a gestão de riscos deve ser orientada para minimizar o impacto da realização dos riscos sobre os resultados operacionais planejados. Daí a necessidade de se identificar e tratar adequadamente todos os riscos envolvidos no processo operacional".
Marcos Lúcio de Moura e Souza – Consultor em Gerência de Riscos
Fonte: Revista APTS Notícias (edição 112)
Texto: Márcia Alves