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Leis Anticorrupção e Lavagem de Dinheiro tornam compliance mais complexo

Leis aumentam deveres de compliance, ampliam responsabilização de empresas, incluindo gestores e representantes, concedem poder de fiscalização a todos os órgãos públicos, além de preverem multas e processos por omissão e penalizações até de perdimento de bens e suspensão de atividades.

Não foi o apelo popular das manifestações de junho de 2013 que fez aprovar a nova Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). Na verdade, na avaliação do advogado e professor da PUC-RS Giovani Agostini Saavedra, esta lei, juntamente com a de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/12) e com os argumentos jurídicos utilizados na Ação Penal 470 (Mensalão), como a teoria do domínio do fato, fechou o ciclo para estabelecer um novo modelo de compliance no Brasil, que começou em 1990 e agora está revigorado, em razão de novos cuidados que deverão ser adotados pelas empresas.

Este arcabouço legislativo, segundo ele, mudou radicalmente os deveres e a forma de compliance no País, prevendo novas responsabilidades e graves punições às pessoas jurídicas, seus gestores, empregados e representantes. “Trata-se de um novo contexto que muda a forma como as empresas faziam compliance. É preciso repensar os mecanismos de compliance e entender que apenas cumprir os normativos da Susep não será suficiente para evitar as penalizações, porque a Lei Anticorrupção e a Lei de Lavagem ampliaram as hipóteses de caracterização de crime culposo e doloso”, explicou Saavedra, no Seminário “Compliance, Nova Lei Anticorrupção e Lavagem de Dinheiro – o que é preciso estar atento”, na quarta-feira, 19 de fevereiro, no auditório do Sindicato das Seguradoras de São Paulo (Sindseg-SP).

O evento foi promovido pelo Grupo Nacional de Trabalho de Direito Econômico e Seguro da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA), coordenado pela professora e advogada Angélica Carlini. Saavedra ressaltou que o cenário impõe maiores cuidados para as empresas, mas também cria novas oportunidades, como, por exemplo, para o estímulo à contratação de seguros de D&O.

Segundo ele, não é recente a preocupação do País em estabelecer mecanismos de responsabilização de pessoas jurídicas e dirigentes por atos de corrupção e lavagem de dinheiro. Desde 2007, organismos internacionais, como GAFI e a OCDE, já haviam recomendado ao Brasil a adoção dessas práticas, que já estão consolidadas em outros países, como Estados Unidos e Alemanha.

Apesar de as manifestações populares não serem a razão da Lei Anticorrupção, ajudaram a acelerar o processo de aprovação. “Essa pressa fez passar um monte erros técnicos que vão enlouquecer a nossa vida nos próximos anos”, disse.Diferentemente de outros países, que publicaram com anos de antecedência manuais explicativos sobre a fiscalização e os critérios de avaliação, no Brasil a lei ainda aguarda regulamentação. Já o compliance ganhou mais impulso com a nova Lei de Lavagem de Dinheiro, a partir de 2012.

Lavagem de Dinheiro. Uma das principais mudanças da Lei 12.683/12 (Lavagem de Dinheiro) foi acabar com a previsão de crimes antecedentes. Segundo Saavedra, a troca no texto da lei do termo “crime” pelo de “infração penal” altera significativamente, porque amplia a quantidade de operações suspeitas. Até então, apenas o dinheiro ilícito de terrorismo e tráfico eram considerados como crime de lavagem. Agora é qualquer ilícito ou contravenção penal, como jogo do bicho e sonegação fiscal. “Uma empresa que sofreu processo de sonegação por ter glosado seu planejamento tributário agora também sofrerá processo por lavagem de dinheiro”, disse. Outra inovação é que a lei não exige mais que o acusado tenha conhecimento prévio da lavagem de dinheiro. “Dizer que não sabia não vale mais como argumento de defesa em processo penal por lavagem”, disse.

Efeitos do Mensalão. O Mensalão não teve apenas efeitos políticos no País, mas também consequências aos negócios das empresas. No julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão), o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou seu entendimento sobre a condenação por lavagem de dinheiro, que agora pode ocorrer mesmo que o acusado tenha simplesmente ocultado o produto do crime que cometeu, sem necessariamente ter dissimulado sua origem e inserido o dinheiro ilegal na economia. Também mudou a interpretação do STF para dolo eventual, que, segundo o voto do ministro Ricardo Lewandowski, não necessita mais que o acusado saiba da origem do dinheiro para ser incriminando, bastando não cumprir os seus deveres legais para assumir esse risco.

Mas, a interpretação mais polêmica do STF em relação ao Mensalão foi a aplicação da teoria do domínio do fato. Significa que quem comanda um crime praticado por subordinados pode ser condenado sem provas concretas de seu efetivo envolvimento, pois sua posição hierárquica leva à conclusão de que teria o domínio do fato. “O dono de uma seguradora cujos gerentes, na busca por atingir metas e receber bônus, aceitarem novos clientes que tragam riscos à empresa poderá ser condenado por ser hierarquicamente superior e ter o domínio do fato”, explicou o advogado. Na prática, Saavedra considera que entendimento reforça a necessidade de as empresas reforçarem seus sistemas de compliance para evitar esse problema.

Lavagem de dinheiro e compliance. De acordo com a Circular Susep 445/12, todas as empresas do setor de seguros, incluindo seguradoras, resseguradoras, entidades de previdência complementar etc., devem adotar programas de compliance. Estas e também os corretores de seguros também estão sujeitos às regras contra lavagem de dinheiro. Mas, pela lei antiga, bastava às empresas identificar, cadastrar clientes, prestar informações e comunicar operações suspeitas. Com a nova lei, surgiram novos deveres, como adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com o porte e volume de operações. Na visão de Saavedra, cabe ao compliance adotar sistemas prevenção e de controle para a concretização desses deveres.

Segundo ele, adotar “políticas” significa que a empresa deverá documentar sua política de compliance, com os princípios, objetivos e as ações em que se pautará. Já os “procedimentos” indicam a necessidade de controles para a avaliação da política da empresa, além de mecanismos para receber denuncia de problemas internos vinculados a lavagem e corrupção; para processar as informações; critérios claros para punir, para proteger o informante e, se for o caso, denunciar aos órgãos competentes. Saavedra chamou a atenção para o artigo 11 da lei, o qual estabelece o dever de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a ocorrência de operações suspeita e – por incrível que pareça – “a não ocorrência”.

Também é uma “abstração”, a seu ver, a posição do STF sobre omissão no cumprimento das regras de compliance, que, pelo novo entendimento, será suficiente para levar a condenações por lavagem de dinheiro e por crimes contra o sistema financeiro nacional, como gestão fraudulenta. “O executivo de seguradora que não cumprir seu dever de cuidado em relação a riscos de lavagem de dinheiro estabelecidos nas regras de compliance da Susep poderá ser condenado criminalmente”, disse.

Nova lei. Além de estabelecer a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, a nova lei também define a responsabilidade solidária entre sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato. Para Saavedra, trata-se da “privatização da fiscalização do Estado”, em que empresa, além de executar sua atividade fim, também é responsável por criar sistemas para ajudar o Estado a fiscalizar crimes de corrupção. Conforme o artigo 3º, “a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito”. Segundo Saavedra, significa que o mesmo ato poderá gerar um processo contra a pessoa que praticou, contra a empresa e contra os dirigentes. Considerando que “subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, fusão ou cisão societária”, então o advogado sugere um due diligence anticorrupção antes de qualquer operação desse porte. No caso de empresas com capital aberto, ele prevê uma cadeia de responsabilização inexplicável. Outro problema é responsabilizar “pessoa natural”, que em seguradores abrangem de corretores a prestadores de serviços.

Saavedra tachou de “inconstitucional” o artigo 5º da lei, que considera ilícito “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação”. A seu ver, faltou definir os limites de “dificultar”. Ele criticou também a multa de até 20%, estabelecida como sanção administrativa, e a publicação da decisão condenatória, que cria o “rol dos culpados”.

O Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), criado pela lei, segundo ele, deverá ser consultado pelas empresas antes de novos contratos ou licitações. Para o advogado, uma das penas mais severas está no artigo 19, que prevê o perdimento de bens, suspensão e interdição das atividades de empresas, além de dissolução compulsória. “O Estado pode intervir na economia dessa forma?”, questionou, acrescentando que é “inconstitucional”.Uma das “pérolas” da lei, de acordo com Saavedra, é o artigo que define que a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com pessoas jurídicas que não colaborem com as investigações. Por seus cálculos, existem aproximadamente 11 mil órgãos públicos no Brasil que terão poderes para fiscalizar.

Mensagem. Presente no evento, o presidente da Comissão de Controles Internos da CNseg, Assizio Oliveira, trouxe uma mensagem tranquilizadora às empresas do setor. “Não temo o futuro, porque há dez estamos nos preparamos para o compliance. Temos nos empenhado bastante no sentido de interpretar não apenas as normas da Susep, como também as referências internacionais, para montar o melhor compliance que possamos ter”, disse. Ele observou que a Lei Anticorrupção traz preocupação adicional para a relação da seguradora com o Poder Público, na medida em que é bastante restritiva e amplia as penalidades às pessoas físicas, aos dirigentes das seguradoras e até os gestores de nível médio. “Precisaremos reestudar todas as atividades de controles e todas as políticas e normas internas que temos para ver até que ponto estamos atendendo a lei”, disse, acrescentando que não descarta a possibilidade de reorganizar a atividade, estruturar novo desenho organizacional e aumentar a importância da área de compliance. “Mas tudo com muita calma, sem desespero, porque, na verdade, o compliance já está em andamento e resta-nos apenas adequá-lo”, concluiu.

Texto: Márcia Alves

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